Entre o que fomos e o que poderíamos ser
Há países que correm contra o tempo, nós ainda conversamos com ele
Assistia a um debate em um canal internacional. Analistas europeus discutiam se ainda havia tempo para o continente entrar na corrida global pela produção de chips e tecnologias críticas — terreno hoje dominado por Estados Unidos e China. A pergunta me pareceu maior do que o tema: o que acontece quando até quem construiu a modernidade começa a duvidar do próprio futuro?
Enquanto a Europa reflete sobre o tempo que lhe resta, o Brasil parece ainda não ter percebido que o tempo já começou. Falamos muito de potencial, mas pouco de projeto. O país se acostumou a ser promessa — e promessas, como se sabe, não têm prazo de validade.
O mundo acelera em busca de um novo sentido de desenvolvimento — de minérios críticos a chips — e nós seguimos como espectadores de uma corrida que também nos diz respeito. Entre a pressa dos que disputam espaço e a inércia dos que se habituaram à espera, o Brasil parece preso num intervalo — tempo suspenso entre o que observa e o que decide não fazer.
A dúvida europeia sobre se é tarde demais carrega um tipo de lucidez que ainda nos falta: a consciência de que o tempo não é infinito. Por aqui, seguimos confiando que o futuro sempre recomeça do zero, como se o país pudesse se reinventar a cada geração sem nunca completar a travessia.
Talvez o maior problema não seja o atraso, mas a naturalidade com que o incorporamos. Tornou-se confortável não disputar. É mais fácil aceitar o papel de espectador do que o esforço de quem precisa escolher caminhos. No Brasil, a ausência de urgência se disfarça de serenidade — e a espera virou método.
Enquanto isso, o mundo redefine o que entende por poder. Não é mais o que se extrai do solo, mas o que se faz com ele. Os novos territórios são invisíveis: dados, energia, conhecimento. O país que não ocupa esses espaços não fica parado — retrocede.
Há um Brasil que ainda pode escolher. Que poderia transformar sua diversidade em estratégia, sua energia em autonomia, sua criatividade em política de Estado. Mas falta a decisão de fazê-lo. É um país que reconhece as janelas do futuro, mas hesita em atravessá-las — talvez por medo de ver que o outro lado exige mais do que otimismo. Insisto: há uma enorme diferença entre política de governo e de estado.
Quando a Europa se pergunta se ainda dá tempo, revela uma consciência rara: a de quem sabe que o relógio da história não espera. O Brasil, ao contrário, parece acreditar que sempre haverá um novo começo. E talvez haja — mas não eternamente.
Entre o que fomos e o que poderíamos ser, há um país inteiro em suspenso. Um país que ainda não se deu conta de que o futuro não se descobre — se constrói.
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Executivo, mestre em gestão empresarial, consultor, mentor de profissionais em transição de carreiras e professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGV.
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