O risco de apagão: a sombra da energia limpa
Chamamos de transição o que, na prática, é apenas geração acelerada - o resultado é um sistema moderno na forma e antigo na lógica
Em qualquer discussão sobre energia renovável, o Brasil é protagonista. Nossa matriz energética é cerca de 80% renovável — resultado de um modelo que combina avanços e impactos. Para cada hidrelétrica, há rios desviados, comunidades reassentadas e ecossistemas alterados.
Ainda assim, insistimos em tratar sustentabilidade como conceito isolado, alheio ao desenvolvimento econômico e sem admitir que ela depende de estrutura - e que essa estrutura tem um custo ambiental.
Nas últimas décadas, escolhemos o caminho das renováveis e aceleramos a construção de plantas eólicas e solares. A velocidade desse crescimento, antes celebrada como símbolo de transição, começa agora a revelar uma contradição: o risco de apagão pela própria alta geração de energia limpa. No auge da expansão, a sombra que evitávamos encarar se projeta. Criamos a solução e, com ela, ampliamos o próprio problema.
Parece contraditório — e é. Gerar mais energia não significa, necessariamente, tê-la disponível, pois é necessário fazê-la chegar aonde será consumida, e esse caminho é feito por redes de transmissão. Mas, como escreveu Drummond, “no meio do caminho tinha uma pedra; tinha uma pedra no meio do caminho”. A pedra, aqui, é a rede. Produzimos onde não consumimos e consumimos onde não há transmissão. As fontes dependem do clima, mas o sistema não tem flexibilidade para compensar os extremos. Não é o vento que falhou nem o sol que se escondeu — é a rede que não chegou.
O risco de apagão nasce fora das usinas. Cresce com a lentidão na construção de linhas de transmissão que deveriam interligar o país e com a falta de capacidade de armazenar ou desviar a energia excedente. Confundimos transição energética com expansão de renováveis.
Nessa confusão semântica, esquecemos uma variável da equação: o custo ambiental da rede. Cada quilômetro de linha exige materiais intensivos em energia e corta territórios sensíveis.
Na Amazônia, pode significar a ruptura de corredores ecológicos inteiros. Isso nos mostra mais uma vez que sustentabilidade não é ausência de impacto, mas é no controle dele que se constrói o rotor do desenvolvimento. O custo ambiental da rede não inviabiliza a transição - é necessário reconhecê-lo. Do contrário, produziremos o que não podemos consumir.
Ligamos, mas agora não é tão fácil desligar. Desligar fontes ou desacelerar projetos não elimina o risco de apagão; apenas o desloca. O equilíbrio não está em gerar menos, mas em compreender o sistema como um todo. Paradoxalmente, quanto mais energia se gera sem caminho para escoar, maior o risco de o país ficar no escuro.
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Jaque Paes é executivo, mestre em gestão empresarial, consultor, mentor de profissionais em transição de carreiras e professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGV
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