Mundo das leis
Coluna publicada na edição deste domingo (09), do jornal A Tribuna
Quando o mundo das leis envia às torturas das mais fétidas masmorras um miserável qualquer há apenas um ato rotineiro de combate ao crime. Mas, quando acontece de decretar a prisão de um grande corrupto, destinando-o às nossas melhores penitenciárias, revolta-se a consciência jurídica nacional, cogitando de violação ao princípio da presunção de inocência.
Quando dada autoridade utiliza o depoimento de um delator para desbaratar alguma quadrilha de traficantes de periferia há apenas o bom uso de um instrumento legal. Mas quando acontece de a delação ser feita em ambiente de poderosos agitam-se os cientistas do Direito, preocupados com a serenidade dos pretórios.
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Quando uma instituição possibilita o desbaratar de todo um bando de meliantes de pequena cabotagem, não se detendo naqueles 'bagrinhos' apanhados no início de qualquer investigação, terá ela agido bem e não pecado por omissão.
Mas quando acontece de o 'bando' ser composto por cavalheiros refinados subitamente inquietam-se os pregadores da Justiça, sugerindo que ela seria, afinal, não mais que um 'grupelho de incendiários'.
Quando nossas leis não admitem manobras protelatórias efetuadas pela defesa de algum acusado de 'pequena cabotagem' são elogiadas com o termo 'enérgicas'. Mas quando acontece de o réu ser alguém poderoso imediatamente chega, pelas mãos dos Doutos, a alcunha de 'entulho autoritário'.
Quando um agente da lei notabiliza-se por reprimir com destemor os crimes dos miseráveis é elevado à condição de herói. Mas quando acontece de combater a corrupção em seus mais elevados níveis logo é rotulado pelos 'formadores de opinião' como 'polêmico'.
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Quando um servidor público adota providências sérias contra algum botequim de periferia que esteja a perturbar a paz da vizinhança ganha o conceito de 'sensível'. Mas quando acontece de ser uma poderosa corporação a fazê-lo impunemente ao longo de décadas reservam os 'analistas' a quem age a reputação de 'afoito'.
Quando um habitante do mundo das leis sofre a vingança violenta de algum acusado miserável vira nome de prédio público. Mas quando enfrenta retaliações por ter sido 'incendiário' ou 'polêmico' encontra apenas o silêncio que desanima outros pelo exemplo.
Não me refiro, com estas palavras, a nenhum caso em particular. Refiro-me, antes, a um Brasil hipócrita que sempre teve 'meia-consciência', origem de uma 'meia-ordem', seguida de um 'meio-progresso'.
Aos números: nosso País tem uma perda acumulada de 20% ao ano no crescimento da economia devido à ineficiência do sistema legal. Um outro estudo, realizado junto a 800 empresas, concluiu que o impacto do aumento da eficiência do mundo jurídico seria: no volume anual de investimentos, 13,7%; no volume de negócios, 18,5%; no número de empregados, 12,3%; nos investimentos em outros estados, 6,2%; no volume de negócios em outros estados, 8,4%; na proporção de atividades terceirizadas, 13,9%; e, no volume de negócios com o setor público, 13,7%.
Pois é. A falta de consciência custa caro.
Pedro Valls Feu Rosa é desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo