Confra da firma que não deu certo
Quando a confraternização deixa de acolher e passa a expor desigualdades, afetando o clima e a saúde mental nas organizações
Sátina Pimenta
Sátina Pimenta, psicóloga clínica, advogada e professora universitária
O fim do ano chega e, com ele, as confraternizações. As famosas festas da firma. Em tese, um momento leve, de encontro, de reconhecimento. Um fechamento simbólico de ciclo. Mas, na prática, muita gente sai dessas confraternizações pior do que entrou.
Neste ano, ouvi com frequência relatos de pessoas que não queriam estar nesses encontros. Pessoas que participaram de confraternizações que não condiziam em nada com aquilo que viveram ao longo de um ano difícil, desgastante — às vezes até adoecedor.
Vi, no universo organizacional, empresas promovendo eventos luxuosos para poucos, enquanto deixavam de fora justamente quem sustenta o funcionamento diário: o chão de fábrica, as equipes operacionais, aqueles que fazem a roda girar.
Quando isso acontece, algo que poderia ser leve, divertido e significativo se transforma em um espaço de constrangimento. Falta reconhecimento. Falta pertencimento. Falta percepção do outro. E, pior, instala-se a sensação de desvalorização.
Do ponto de vista da Psicologia Organizacional, esse é um ponto de atenção importante. Clima organizacional não se constrói apenas com discursos, mas com coerência entre prática e valor. Igualdade, inclusão e reconhecimento não são conceitos abstratos — são experiências vividas no cotidiano.
Quando tratamos pessoas de forma desigual ou incoerente, não estamos encerrando ciclos: estamos afastando, diminuindo e, muitas vezes, expulsando simbolicamente quem sustenta a organização.
Existe um simbolismo forte no encerramento do ano. É ali que as pessoas fazem, ainda que sem perceber, uma espécie de balanço interno: Valeu a pena? Fui vista? Fui respeitada? Quando esse fechamento é mal conduzido, ele não fica em dezembro. Ele atravessa o corpo e a mente e desembarca inteiro em janeiro. E aí vem o paradoxo.
Janeiro começa com o Janeiro Branco, com discursos sobre saúde mental, campanhas bonitas, frases inspiradoras, convites ao autocuidado. Mas como sustentar essa narrativa se a organização terminou o ano ignorando o básico? E eu não estou falando de festa … Estou falando de reconhecimento.
Uma confraternização mal estruturada pode comprometer o início do ano. Em vez de renovação, gera resistência. Em vez de energia, produz cinismo. As pessoas começam o ano já cansadas, já desacreditadas, já em modo de sobrevivência.
Cuidar da saúde mental dentro das organizações não é só oferecer palestras, ações pontuais ou campanhas temáticas. É coerência. É entender que pequenos gestos simbólicos comunicam muito. Quem é incluído, quem é esquecido, quem é reconhecido, quem é tratado como número — tudo isso fica registrado.
Se não há recursos para grandes eventos, que haja verdade. Se o ano foi difícil, que isso seja nomeado. Se há planos para o futuro, que sejam compartilhados. A clareza protege mais do que o silêncio.
Porque, no fim das contas, saúde mental também é isso: saber onde se está, o que se viveu e para onde se está indo. E nenhuma campanha de janeiro consegue consertar um dezembro que terminou mal resolvido.
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