Consciência Negra… Pra quem mesmo?
Consciência Negra precisa ser prática contínua, não vitrine de novembro
Todo ano, quando novembro se aproxima, algo curioso acontece. As agendas começam a se encher, as empresas correm para montar programações, pipocam rodas de conversa, palestras e postagens apressadas — como se fosse possível, de repente, condensar séculos de desigualdade racial em 30 dias cuidadosamente decorados. E aí volta a pergunta que insiste em latejar: Consciência Negra pra quem?
Certa vez ouvi um palestrante negro dizer, com aquele humor que só existe quando a dor já virou lucidez: “No mês da Consciência Negra, eu cobro mais caro. Aqui não tem Black Friday. Aqui tem compensação.”
A frase arranca riso, sim, mas também escancara o incômodo. Porque ela traduz o que muitos vivem: ser chamado apenas quando é útil performar diversidade.
Mas, afinal, o que acontece nos outros 11 meses? Onde ficam as ações diárias, os convites contínuos, o compromisso real com o debate racial?
Será que consciência que só aparece no calendário… é consciência?
Quando a consciência não é contínua, ela se torna protocolo. Ela vira vitrine. Vira pauta de um único mês — organizada, editada e publicada para gerar a confortável sensação de que “estamos fazendo nossa parte”.
Só que pensar Consciência Negra exige algo mais profundo. Exige deslocamento. Exige coragem.
Coragem para questionar frases que parecem inofensivas, mas que diminuem, machucam e moldam a autoestima de crianças e adultos negros. Coragem para enxergar que falar de raça não é “polêmica”, é cuidado. Coragem para admitir que o silêncio também é uma forma de violência.
E coragem, principalmente, para começar pelas crianças — todas elas. Para que elas aprendam cedo que negritude é beleza, potência, história e dignidade. Para que elas não herdem os medos, as distorções e os apagamentos que moldaram tantas gerações.
Porque educar para a equidade racial não é moda. É processo. É cultivo. E cultivo exige constância. Sem constância, vira decoração de calendário — bonita, mas inútil.
Se queremos um país realmente comprometido com justiça racial, precisamos transformar consciência em prática.
Não basta celebrar ancestralidades em novembro se, no resto do ano, continuamos sustentando estruturas que silenciam, descartam e excluem.
Não basta admirar a estética negra um dia e, no outro, reforçar padrões que rejeitam corpos, cabelos, nomes e histórias negras.
Talvez o desafio seja este: fazer do compromisso uma rotina, não uma data. Criar ações contínuas, práticas permanentes e conversas que não dependam de efemérides para existir.
E sobretudo, ouvir. Ouvir quem vive. Ouvir quem sente. Ouvir quem entende por experiência — não quem só repete discursos decorados.
Novembro importa, claro. É simbólico, potente, necessário. Mas ele não basta! Que a Consciência Negra deixe de ser um mês para se tornar um movimento.
Um movimento vivo, cotidiano, corajoso — que não pede licença ao calendário para existir.
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