Não acordei bem
Entre medos, encerramentos e autenticidade: sentir também é parte do caminho
Sátina Pimenta
Sátina Pimenta, psicóloga clínica, advogada e professora universitária
Tem dois dias que eu não durmo direito. E, para ser honesta, estou com medo. Medo de que a depressão volte – ela me acompanhou no ano de 2024 e juro que não foi nada legal –, medo de que alguma porta interna se abra sem eu querer. Não fiz atividade física, não me alimentei bem, e tem uma sensação de “fardo” enorme sobre mim — dessas que ocupam o peito sem pedir licença.
De verdade, eu nem queria muito sair da cama hoje. Mas lembrei dos compromissos: meus pacientes, minha família, meu trabalho e vocês. Eu faço uma metáfora que existe um sino na nossa cabeça tocando um: “tem, tem, tem…”.
Esse sino interno, que não existe no mundo, cobra, exige, lembra de tudo: prazos, demandas, responsabilidades. Quanto mais tento ignorá-lo, mais alto ele bate — tem, tem, tem… — como se fosse ocupar todos os espaços.
Talvez esteja me sentindo assim porque o fim do ano está chegando. Talvez seja a tal síndrome de dezembro. Não sei!
Talvez porque ontem eu vivi um momento triste: um ciclo se encerrou — e encerrar ciclos dói!
Mas encerrar ciclos é normal, né?! Isso é algo que precisamos pensar! É bonito dizer que é normal fechar ciclos, que faz parte, mas na prática é outra história.
Existe uma romantização sobre “aceitar finais”, como se fechar portas não causasse dor. Como se maturidade fosse sinônimo de não sentir. Mas tem coisas que simplesmente… doem. E pronto.
As pessoas querem que a gente normalize, que siga, que vá. Mas nem sempre o “normal” precisa ser tão normal a ponto de silenciar o que aperta dentro.
Ontem doeu muito um destes ciclos fechados. Posso estar de ressaca dele? Será? Só sei que eu decidi não fingir que doeu.
A Psicologia Humanista fala sobre isso: reconhecer a experiência interna sem julgamento. Carl Rogers dizia que quando aceitamos plenamente o que sentimos, é aí que começamos a mudar. Talvez meu sino esteja tão alto porque eu precisava ouvi-lo.
Precisava admitir o cansaço, o medo, os encerramentos, as dúvidas. Precisava lembrar que, apesar de ser psicóloga, eu também sinto. Eu também me perco. Eu também fico à deriva. E sim, está tudo meio aleatório.
Mas também… a vida é aleatória. A vida também é se perder. A vida também é ser dura. A vida também é se questionar. A vida também é não entender.
Enquanto escrevo, lembro da mensagem que mandei para a minha psicóloga pedindo um atendimento rápido — porque sim, psicólogos precisam de psicólogos. Afinal na última sessão eu estava ótima: rindo, leve, tranquila. Hoje não. E tudo bem. Talvez seja só a vida acontecendo e eu tentando acompanhar o passo.
Tentando entender cada dor, cada sensação, cada dúvida. E me recusando — com força — a não sentir. Quero sentir tudo o que eu precisar sentir. Não quero anestesiar. Não quero pular etapas. Não quero virar personagem de mim mesma.
Eu disse que o texto de hoje era confuso. Mas talvez seja o mais autêntico que escrevi em muito tempo. Receba como quiser.
Sinta o que fizer sentido para você. E que seja uma boa quinta — mesmo que a gente não acorde bem.
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