Entre o instante e o distante
Entre passado, presente e futuro, desafios do tempo afetam memória, ansiedade e esperança
A temporalidade da atualização inclemente incrementa uma angústia estrutural do existir: como viventes do tempo, foco no momento ou olhar no porvir? Como nunca, valoriza-se o saborear do agora, mas, também de forma inaudita, nos afligem as incertezas do horizonte, como bem mostra uma sociabilidade sombreada pelas dores endêmicas das ansiedades e depressões. Entre o instante e o distante, o que fazer da “vida, breve passageira do tempo”, como poetizou Nohêmia Santos Lima?
O presente como temporalidade única do existir tem em Santo Agostinho uma referenciação ímpar. Para ele, tempo é duração intervalar, sequências de presente demarcado pelas bordas do pretérito e do horizonte. Assim, teríamos “lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras”.
A digitalidade vem afetando esse modo demasiadamente humano de vivenciar o tempo, especialmente o presente. Uma primeira questão é a obsolescência programada e cadenciada pela vertigem atualizadora da máquina digital, que cria excessos transbordantes de passado e de futuro.
Desse modo, constituem-se subjetividades amnésicas, incapazes da “lembrança presente das coisas passadas”. Esse mesmo sujeito ainda é sufocado pela avalanche ansiogênica do tsunami informacional que antecipa o futuro, devorando o presente com suas atualizações cada vez mais velozes, inabilitando-o à “esperança presente das coisas futuras”.
Outra questão é que, com atualização intermitente, o presente foi reduzido ao instante. Devido à dupla dimensão existencial – presencial/digital –, esse instante ainda foi fatiado em diversas camadas de experiência, aquelas inúmeras ofertadas por cada aplicativo do ciberterritório planetário e também aquelas vividas presencialmente. Resultado: estamos vivendo a opressão de uma hipertrofia do atual, com inúmeros presentes-instantes concomitantes.
Seja pelo volume de atualizações, seja pela incapacidade de imaginar o que logo virá e já, já evaporará no triturador inclemente da engenhoca insana de antecipar o futuro, volatilizar e comprimir o presente e produzir pretérito sem lastro mnemônico, estamos constituindo uma realidade de sujeitos perdidos no tempo, o que equivale dizer, perdidos na experiência do existir.
Ansiedades, que se caracterizam basicamente por excesso de futuro no presente, e depressões, que sintetizam essencialmente a percepção de impotência diante do insondável e do acachapante do existir, tornam-se alguns dos mal-estares mais recorrentes da atualidade. Reequilibrar a experiência temporal é mais que urgente.
Nesse processo, vale lembrar: “tempus rerum imperator” – “tempo rege todas as coisas”. Ao que se deve agregar: “nulla fluat cuius non meminisse velis” – “nenhuma hora passe que não desejes recordar”. Que sejamos capazes, pois, de uma experiência virtuosa do tempo, que nos permita fruir o agora, inspirados pelas memórias do que passou e pela esperança do que podemos inventar, como observou Santo Agostinho.
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