“Só de ser mulher o risco de morrer do coração é maior”, diz especialista
Ela explica que os sintomas do infarto ou eventos cardiovasculares nas mulheres podem passar despercebidos e serem confundidos com questões emocionais
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Símbolo de amor, romantismo e carinho, o coração quase sempre está ligado à figura feminina. Mas, quando se trata de saúde, o coração delas tem um risco maior do que o dos homens.
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Estimativas também apontam que a probabilidade da mulher morrer de infarto é 50% maior quando comparada aos homens. E a cardiologista Paola Smanio explica que não é só a diferença no formato do coração do homem e da mulher que influencia para o aumento do risco cardiovascular nelas.
A médica, que é especialista em cardiologia nuclear e gestora do Centro Diagnóstico do Grupo Fleury, ressalta que os sintomas do infarto ou eventos cardiovasculares nas mulheres podem passar despercebidos e serem confundidos com questões emocionais.
A Tribuna - Só por ser mulher tem o risco aumentado para doenças do coração?
Paola Smanio - Na verdade, é o risco de eventos. Temos um risco de infarto, de AVC, maior do que os homens. Risco de uma mortalidade maior.
Só de ser mulher o risco de morrer do coração é maior. Mas não é que a prevalência da doença seja maior nas mulheres, é que elas demoram mais para descobrir, chegam mais tardiamente para investigação no hospital. Então, acabam morrendo mais por desconhecimento do assunto e até por culpa dos médicos mesmo, que não levam muito a sério quando a mulher descreve sintoma.
Que tipo de sintomas? É diferente dos sintomas que os homens sentem?
É diferente! Pode ser semelhante, mas a mulher, em geral, tem mais dificuldade de descrever de forma objetiva um sintoma. Isso é da psicologia, uma característica feminina. Ela já chega ao médico se desculpando porque prioriza outras coisas.
Ela fala: ‘estou com uma dor aqui, mas acho que é porque eu carreguei muito peso na feira, acho que é porque fiquei nervosa discutindo com o meu marido’, enfim. Então, ela passa para os médicos a impressão de que é uma dor que causa emocional.
Além disso, a mulher tem sintomas muito sutis e atípicos, diferente do homem, que normalmente refere uma dor no peito, queimação ou aperto. A mulher tem manifestação no braço esquerdo, nas costas, no pescoço, na mandíbula, uma sensação de enjoo, e com maior frequência desencadeado por um estresse emocional.
Ela mesmo não acredita que possa estar acontecendo alguma coisa do ponto de vista cardiovascular. Culturalmente, a mulher não sabe que tem que fazer uma prevenção cardiológica.
Por esse desconhecimento, pelas características atípicas dos sintomas, faz com que ela chegue muito tarde ao médico.
Por que as mulheres chegam justificando e dando desculpas para a dor? O que acontece?
É uma característica talvez emocional e eu diria que cultural. O que acontece é que a mulher prioriza muito esse movimento de empoderamento e outras coisas acabam se tornando mais importantes.
Então o trabalho é prioridade, ela não pode faltar. Enquanto o homem no primeiro sintoma já não vai trabalhar, a mulher vai mesmo que esteja quase morrendo. Ela posterga isso, cuida do marido, dos filhos, dos pais, da casa, comida, e várias outras coisas, e não se prioriza.
Ela é multitarefas e dá conta do recado, mas o fato é que, com isso, ela joga para segundo plano os cuidados com sua própria saúde.
Culturalmente, a percepção é que as mulheres cuidam mais da saúde do que o homem. Não é verdade?
A mulher cuida sim da saúde em geral. Ela cuida da saúde ginecológica, da parte estética, nutricionista, endocrinologista. Esses são os profissionais que, geralmente, cuidam da saúde da mulher. Agora, raramente a mulher fala que precisa ir ao cardiologista fazer um check-up.
A doutora falou sobre a questão emocional da mulher com os riscos ao coração. Qual é essa relação?
O fator emocional é um fator de risco para doenças cardiovasculares, hoje ele já entra em diretrizes médicas. Sabemos que para a mulher, depressão, sensação de solidão, ansiedade, já entram como fatores de risco para doença cardiovascular, porque liberam na corrente sanguínea cortisol e adrenalina, que podem agredir a parede dos vasos do coração.
O fato é que, quando a gente tem aquela sensação meio de aperto, a mulher tem a tendência de achar que é angústia. Por isso, é muito difícil você diferenciar. Então sempre falo que qualquer sintoma deve ser investigado. Se for emocional, ótimo. Mas não podemos perder a chance, porque um sintoma pode ser sinal de alerta.
O formato do coração da mulher também é diferente?
É sim! O coração da mulher é um pouco menor, as artérias são mais finas, frágeis e tortuosas, têm algumas características, até o tipo de infarto às vezes é diferente. E, principalmente, a mulher tem infarto, tem eventos, não só por entupimento da artéria coronária.
Como proteger o coração da mulher?
O primeiro passo é ir ao médico para calcular o perfil de risco. A mulher que tem ovário policístico, por exemplo, ou que teve hipertensão ou diabetes na gestação, doenças reumatológicas como artrite, lúpus, essas estão sob o maior risco cardiovascular e não sabem. Alguém tem que calcular esse risco.
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