"Tive o diagnóstico após 17 anos", revela administradora do ES com doença rara
Desinformação e falta de acesso ainda são barreiras para a descoberta de doenças
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O paciente de doenças raras pode ficar anos na angústia de não saber o que tem e tratar de forma errada a doença por falta de conhecimento do diagnóstico.
Segundo os médicos, sete anos é a média de tempo que um paciente com doença rara fica à procura do diagnóstico. Mas a administradora Cláudia Andrade Cometti, 41, ficou 17 anos sem saber o que realmente tinha. Ela conta que só conseguiu o diagnóstico para fibrose cística aos 32 anos, depois de ter o primeiro filho, Vitor Cometti Meirelles, 11.
“Comecei a sentir os primeiros sintomas com 15 anos, com muitos quadros do que os médicos achavam que era sinusite. Fiquei até de fazer a cirurgia de desvio de septo para ver se melhorava, mas não adiantou. Evoluí para um quadro de infecção pulmonar, até o dia que a tomografia mostrou que já tinham sequelas permanentes no pulmão”, conta.
Aos 18 anos, Cláudia foi internada por causa de uma hemorragia severa no pulmão devido à evolução da doença. O problema foi resolvido, mas como ela não apresentava os sintomas mais clássicos da fibrose cística, ninguém suspeitou da doença, até que seu filho mais velho nasceu.
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“Vitor nasceu saudável e o teste do pezinho apresentou resultado limítrofe para a fibrose cística e não chamou atenção. Mas, com um ano, ele começou a ter pneumonia de repetição. Em um ano, ele teve 11 passagens no pronto-socorro com pneumonia”.
Com tantas internações, Cláudia e o marido, Wilken Meirelles, levaram o filho a um pneumopediatra que lidava com a fibrose cística de perto e chamou a atenção da família.
“Quando apresentamos o histórico do Vitor, o médico logo pediu o teste do suor, que é um dos exames que confirmam a doença, além do teste do pezinho e do exame genético. Foi a partir daí, com o diagnóstico do meu filho, que começamos a desconfiar que eu também poderia ter a doença”, explica Cláudia.
Para ela, descobrir finalmente o que tinha foi uma esperança de poder se cuidar e ter uma qualidade de vida melhor
“Já estava com o quadro da doença muito avançado. Não tinha mais resposta a nenhum antibiótico. Então, ter o diagnóstico nessa condição é um alívio, é um sentimento de que pelo menos agora sabemos o que temos e não estamos mais no escuro.”
Desinformação e falta de acesso ainda são barreiras
A falta de informação e a dificuldade de acesso a exames são algumas das barreiras que dificultam e atrasam o diagnóstico de doenças raras, segundo os médicos.
De acordo com a pesquisa “Doenças Raras no Brasil - diagnóstico, causas e tratamento sob a ótica da população”, realizada pelo Ibope Inteligência, quase um terço dos participantes (28%) não tem informação sobre o assunto
“É fundamental que o poder público amplie o olhar para as doenças raras e proporcione condições para que essas pessoas tenham diagnóstico e tratamento no prazo adequado. Para além disso, é preciso que essa população conheça e faça valer seus direitos, mobilizando-se para que novas ações sejam adotadas”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem), Raul Canal.
A falta de conhecimentos dos próprios profissionais de saúde pode prorrogar a busca por diagnóstico, como ressalta a endocrinologista Juliana Drummond, membro da Comissão Científica da SBEM.
“A maior parte dos profissionais da área de saúde tem pouco conhecimento em relação às doenças raras. Então, o que me parece mais importante é a educação desses profissionais em relação a esse assunto, para que eles possam desconfiar da doenças raras”.
Mas, mesmo que o médico na primeira linha de atendimento desconfie da doença, o acesso aos especialistas e a exames que possam confirmar o diagnóstico de doença rara é difícil, como mostra a gastroenterologista Marília Majeski, da clínica Imunomed.
“Vemos muitos pacientes subdiagnosticados, com falta de acesso a especialistas e exames. Precisamos, além da educação para saúde, promover medidas para o acesso a exames, para que o diagnóstico não seja limitado”.
“O acesso ao especialista e aos exames é fundamental para o diagnóstico e tratamento dos pacientes com doenças raras”, destaca a reumatologista Lídia Balarini. “Necessitamos de centros especializados para investigação de doenças raras e de disponibilidade dos testes imunológicos e genéticos”.
ALGUMAS DOENÇAS RARAS
Doença de Crohn
é uma doença inflamatória crônica que atinge o intestino e os casos mais graves podem apresentar entupimento ou perfurações intestinais.
Enfraquecimento, dores abdominais e nas articulações, perda de peso, diarreia com ou sem sangue, lesões na pele, pedra nos rins e na vesícula são alguns dos principais sintomas. Ela atinge tanto homens quanto mulheres, principalmente entre os 20 e 40 anos de idade, e a incidência é maior em fumantes.
Para fazer o diagnóstico é necessário realizar exames de sangue, clínicos, de imagem e analisar o histórico do paciente.
Fibrose cística
Também conhecida como Doença do Beijo Salgado ou Mucoviscidose, é uma doença genética crônica que afeta principalmente os pulmões, pâncreas e o sistema digestivo.
Um gene defeituoso e a proteína produzida por ele fazem com que o corpo produza muco espesso que leva ao acúmulo de bactéria e germes nas vias respiratórias, podendo causar inchaço, inflamações e infecções como pneumonia e bronquite, trazendo danos aos pulmões.
Alguns sintomas são suor de sabor muito salgado, tosse persistente, muitas vezes com catarro, infecções pulmonares frequentes, como pneumonia e bronquite; baixo crescimento ou pouco ganho de peso, apesar de bom apetite, entre outros.
O diagnóstico pode ser identificada no Teste do Pezinho e também através de exames genéticos ou do Teste do Suor.
Atrofia Muscular Espinhal (AME)
É uma doença degenerativa que interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais simples do corpo, como respirar, engolir e se mover. Varia do tipo 0 (antes do nascimento) ao 4 (segunda ou terceira década de vida), dependendo do grau de comprometimento dos músculos e da idade em que surgem os primeiros sintomas.
Os neurônios motores morrem devido à falta da proteína e os pacientes vão, pouco a pouco, sentindo os sinais e sintomas da doença, que pode levar à morte.
O diagnóstico é feito por um médico com base no protocolo da doença publicado pelo Ministério da Saúde. Os exames necessários para confirmação da doença serão solicitados pelo profissional de saúde.
O medicamento Nusinersena (Spinraza) é o único medicamento registrado no Brasil para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME).
Doença de Crohn
Os primeiros sintomas do vendedor Leonaldo Simmer começaram em 2015, com muito enjoo, diarreia, vômito e anemia, mas ninguém conseguia descobrir o que era. Ele foi transferido de Afonso Cláudio, onde mora, para Vitória.
“Fiz uma bateria de exames, estava emagrecendo, ficando fraco e pior. Até que a doutora que estava me acompanhando disse que teria que fazer outro exame, mas que não tinha no SUS. Tive que fazer particular, mas finalmente consegui descobrir a Doença de Crohn. Hoje estou bem melhor, faço o tratamento e cuido da minha alimentação”.
Doença de Behçet
O início dos sintomas geralmente ocorre entre os 20 e 40 anos de idade. As manifestações acontecem de forma recorrente, ou seja, em crises que melhoram com o tratamento e retornam após um período sem sintomas.
A queixa mais importante é a presença de aftas recorrentes que podem estar associadas ou não a úlceras genitais, lesões de pele, dores articulares, inflamação no olho, alterações neurológicas, intestinais, inflamação e trombose em veias, além da formação de aneurismas em diferentes artérias.
O diagnóstico é baseado nas manifestações apresentadas pelos pacientes e analisadas pelo médico. Não há exame de laboratório que determine o diagnóstico. O tratamento depende das queixas do paciente e dos órgãos afetados.
Fontes: ONG Vidas Raras, Sociedade Brasileira de Reumatologia, Ministério da Saúde, especialistas consultados e pesquisa AT
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