A força do sururu
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Às vezes, a gente acha que o futuro do agro nasce no barulho das máquinas, nas telas cheias de dados, na tecnologia que cabe na palma da mão. Mas, outro dia, eu descobri que ele também pode nascer devagar, no silêncio do mangue, com o pé na lama e o cheiro do mar entrando pela alma.
Fui a Mangue Seco, ali onde a maré respira diferente. Lugar de água escura, raiz embaralhada e gente que aprendeu a decifrar o tempo olhando pro movimento da maré. E ali estavam elas: as marisqueiras do sururu.
Mãos firmes, passos curtos na lama, olhar focado. Trabalho que vem de mãe, de avó, de tantas mulheres que sustentaram famílias sem nunca pedir palco.
Elas tiram o sururu com cuidado, lavam, raspam, se curvam e se levantam o dia inteiro. A polpa vira alimento, vai pra mesa, vira renda. E a casca? Sempre foi sobra.
Um monte branco na beira do mangue, levado pela maré, esquecido. Até alguém resolver olhar praquilo de outro jeito.
O Instituto Goiamum decidiu que aquela casca tinha valor. Recolheu, estudou, moeu. E o que era resíduo virou pó. Um pó que devolve vida ao solo, rico em nutrientes, perfeito pra agricultura orgânica. O que antes sujava a beira d’água agora fortalece a terra. Do mar pro campo. Da concha pra raiz.
E o mais bonito: as mulheres continuam no centro disso tudo. Mais de 50 marisqueiras ganhando uma nova fonte de renda. Tradição que vira oportunidade. Economia azul virando realidade — não discurso.
Enquanto eu via aquelas mãos cobertas de sal e história, entendi que inovação pode ser simples. Pode vir do olhar que se recusa a enxergar lixo onde existe ciclo. Pode nascer devagar, com paciência de maré.
A gente fala muito em produtividade, mas às vezes o segredo tá em respeitar onde a vida começa. O mangue ensina isso: tudo que parece sobra, um dia pode ser começo.
E eu saí dali com uma certeza boa: o agro cresce quando aprende com o mar. Quando honra quem sustenta o que a gente nem vê. Porque futuro também nasce assim — numa casquinha pequena, num gesto silencioso, numa mulher que acorda antes da maré.
Histórias como essa me lembram por que vale a pena contar o que nasce do Brasil profundo.
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