Virei líder, e agora?!
Não é o crachá que legitima. É a forma como tua voz se sustenta, mesmo sem cargo

O termo liderança criou uma indústria própria: treinamentos, manuais, modelos, certificações e uma enxurrada de livros de autoajuda.
Ser líder virou protocolo.
Na tua experiência, quantos profissionais brilhantes foram alçados a líderes e fracassaram? Quantos medianos assumiram cargos de liderança e surpreenderam? Quantas vezes tu te perguntaste: “como ele chegou lá?”
Como tantas coisas no ambiente corporativo, liderança não se define por qualquer critério. Então, o que te define líder? Qual é o teu estilo de liderança? Autocrata, servidor, pelo exemplo, orientado a resultados, a pessoas, a processos?
Nos últimos anos, o que não faltou foi teoria sobre liderança. Mas a teoria se destina, em grande parte, a explicar o aprendizado por orientação. Ora, orientar não é um atributo da liderança? Estaria, então, em algum livro de aeroporto o ponto de virada nesse assunto? Julgo que não.
Na década de 80, Jack Welch era referência em estilo de liderança - não sem razão. Mas ele mesmo admitia: na liderança há muitas vozes. Grandes líderes não seguem cartilha. Carregam seus próprios traços, sua autenticidade e, acima de tudo, a leitura do contexto. Do contrário, caímos na busca incessante de um padrão. No culto a uma personalidade. Liderar requer autenticidade. E ninguém é autêntico tentando imitar outra pessoa.
Na mesma década, surgiu uma obra que virou “bíblia” corporativa: O Monge e o Executivo, que embalou ideias antigas em formato de fábula corporativa. Servidor, disciplinado, empático, bom ouvinte. Nada além do óbvio, mas vendido como revelação. Uma parábola protocolar, simplificada, fácil de digerir — e quase irrelevante para um debate sério sobre liderança.
Enquanto alguns enxergavam o ato de liderar como prática moldada pelo contexto e marcada por vozes múltiplas, muitos consumiram a promessa de que bastaria seguir um roteiro para alcançar resultados.
É certo que discussões sobre liderança não nasceram nos anos 80. Mas penso que foi nesse período que se consolidaram como protocolo. Como se autenticidade pudesse ser terceirizada. O lado culto da liderança jamais esteve em páginas de livros.
Liderar é mais que oratória: é “escutatória”. É saber ouvir. Sobretudo, é conviver — todos os dias — com posicionamentos distintos.
No fim, liderar não é sobre nós mesmos. É sobre as vozes que nos contornam.
Não à toa vemos líderes transitar entre indústrias tão distintas quanto papel e automóveis com o mesmo êxito. Isso mostra que não é a indústria que molda o líder, mas o autoconhecimento: reconhecer pontos fortes e fracos, compor equipes que complementem suas lacunas e cultivar a empatia genuína — não a caricata de “colocar-se no lugar do outro”, mas a que busca ver pelos olhos do outro e entender a decisão que originou aquela ação ou pensamento.
Liderar faz parte da criação de uma cultura saudável, que valoriza a segurança psicológica como espaço onde pessoas se sentem seguras para admitir erros e compartilhar aprendizados. O erro é parte de um ciclo de aprendizagem, não um fracasso moral. Mais importante: não se trata de glorificar o erro, e sim de diferenciá-lo. Nem todo erro é aceitável.
Quer gerar engajamento real? Trate o erro com abertura e fortaleça a confiança. Incentive perguntas, feedbacks planejados e reflexões coletivas. Punir qualquer tipo de falha só cria medo e esconde problemas.
Se tu estás buscando uma posição de liderança, esquece a ideia de um manual. Liderança não é um kit de ferramentas para aplicar na equipe. É exposição: ao erro, ao julgamento, ao contexto que muda sem pedir licença.
E se tu já ocupas essa posição, a questão continua a mesma: não é sobre qual estilo tu adotas, mas sobre como tu te sustentas quando o estilo não serve.
Liderança não é sobre moldura. Requer autenticidade e cuidado genuíno. E ninguém é autêntico tentando imitar outra pessoa.
Então, se não é sobre moldura, o que fará tua voz se sustentar em meio ao ruído?
Escuta a tua equipe amanhã. Tenha um interesse real.
Dá espaço para a resposta e sustenta o silêncio sem apressar a conclusão. Por experiência, é nesse espaço que a liderança, de fato, começa a existir.
E se tu ainda não és líder, começa do mesmo jeito. Escuta antes de falar. Demonstra interesse antes de buscar reconhecimento.
Não é o crachá que legitima. É a forma como tua voz se sustenta, mesmo sem cargo.
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Jaques Paes é executivo, mestre em gestão empresarial, consultor, mentor de profissionais em transição de carreiras e professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGVMATÉRIAS RELACIONADAS:




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