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15 anos da PNRS: logística reversa ainda emperrada e desigualdade crescente

Esse ano, a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS - completa 15 anos. Quinze anos em que a logística reversa deveria ter saído do papel para aliviar cidades, reduzir custos e criar novos mercados. Não aconteceu. O sistema que deveria aliviar cidades, reduzir desigualdades e criar mercados segue emperrado.
O resultado aparece no cotidiano: ruas tomadas por resíduos, aterros que crescem sem controle e orçamentos públicos drenados para enterrar materiais que poderiam gerar trabalho e renda. Mais do que uma questão ambiental, a logística reversa é social: fala de inclusão e de dignidade.
No fim, a logística reversa fala mais de gente do que de logística.
Quando a cadeia não funciona, não é apenas a prefeitura que gasta mais. É a desigualdade que se aprofunda. O esforço de separar resíduos em casa raramente encontra destino adequado, e o que poderia virar insumo vai para o aterro ou lixões. Nesse processo, perde-se a chance de integrar trabalhadores informais de forma estruturada, de gerar renda e reduzir pressões sobre a saúde pública. Resultado: prefeituras gastam mais, empresas desperdiçam valor e milhares de pessoas seguem à margem, privadas de um papel reconhecido na economia.
A dimensão da iniquidade solidifica disparidades no acesso a direitos básicos, ou seja, à própria dignidade humana, criando uma lacuna social. Essa lacuna cobra um preço alto. Para as cidades, significa ampliar a sobrecarga sobre sistemas de limpeza urbana, elevar gastos que poderiam estar em saúde e educação, conviver com aterros próximos da saturação e lidar com impactos ambientais diretos, como enchentes agravadas pelo descarte irregular.
Para as empresas, significa carregar um passivo silencioso e estrutural que corrói margens, compromete a gestão e se impõe como barreira concreta tanto à implantação de práticas ESG quanto à sua integração na estratégia. Ao mesmo tempo, representa o desperdício de insumos que poderiam gerar novos produtos, fortalecer a atratividade financeira e ampliar modelos circulares com impacto direto no desenvolvimento econômico local.
O resultado da soma entre cidades e empresas molda a economia como um sistema que aceita a criação de passivos a partir dos resíduos, perpetua cadeias ineficientes e adia a construção de cidades mais resilientes e inclusivas. Enquanto a logística reversa não se traduzir em prática, seguimos perdendo a oportunidade de fazer do pós-consumo um vetor de desenvolvimento e de transformação de realidades.
Impulsionar a logística reversa depende de tratá-la como política de desenvolvimento — uma política de Estado, não de governo — e de reconhecê-la como necessidade de desenvolvimento social, e não apenas como obrigação de conformidade. Isso passa por medidas objetivas, como por exemplo:
• Integrar catadores de forma estruturada: criar contratos formais com cooperativas e incluir a remuneração em editais públicos e compromissos empresariais, reconhecendo o papel econômico que já exercem.
• Rastrear fluxos de resíduos de forma verificável: utilizar instrumentos já existentes, como a Nota Fiscal Eletrônica de Resíduos ou o Manifesto Eletrônico de Transporte (MTR), ampliando transparência sobre volumes coletados e destinos finais. Santa Catarina é um exemplo de sucesso como base para padronização nacional de acompanhamento dos fluxos.
• Vincular licenças ambientais a resultados comprovados: condicionar renovações de licenciamento a metas de logística reversa com comprovação documental e auditoria independente.
• Criar indicadores públicos de desempenho: estabelecer métricas padronizadas de recuperação e publicar resultados de forma transparente, permitindo comparações entre setores e regiões.
• Estimular consórcios regionais de logística reversa: viabilizar soluções conjuntas entre municípios e empresas, reduzindo custos e ampliando escala para materiais de baixo valor agregado.
Quinze anos depois, a PNRS é mais um exemplo da nossa especialidade nacional: escrever políticas sofisticadas e aceitar resultados medíocres. A Política de Economia Circular nasce sob a mesma sombra: tenta resolver o que já deveria ter sido feito pela PNRS. Criamos novas camadas normativas em vez de fazer funcionar o que já existe. Chegamos ao ponto de sofisticar até o desperdício.
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Mas quem é o responsável pelo lixo que produzimos?
JAQUES PAES é executivo, mestre em gestão empresarial, consultor, mentor de profissionais em transição de carreiras e professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGV.
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