O Nosso Não Lugar
A impermanência nos move; a interpretação nos perde
Jaques Paes
Executivo, mestre em gestão empresarial, consultor, mentor de profissionais em transição de carreiras e professor do MBA de ESG e Sustentabilidade da FGV
Na dúvida, recorra aos gregos. Esse foi um dos conselhos que mais ecoaram em mim em meus primeiros dias de mestrado. Em época, me disse nada, e mesmo assim me acompanhou. Pensei que deveria haver algum sentido, e havia.
Escrever é um ato de coragem. Nunca sabemos ou saberemos o que será entendido nem como será. Palavra escrita não tem inflexão. A conversa nos traz à vista reações; a escrita não. Toda leitura, portanto, é uma interpretação do mundo que foi escrito, sob a lente que vivemos.
Antes de avançar, um desvio contraditoriamente útil: o termo capitalismo foi cunhado dentro do socialismo. O socialismo vive dentro do comunismo. O comunismo rechaça o capitalismo enquanto o socialismo o aceita em certas doses. O comunismo trata sistemas econômicos e políticos; o socialismo, apenas o econômico. Confuso?! Não.
Não há confusão quando há paixão. Não há certo ou errado quando um não entende o outro. Um recado para as crianças: nem toda estória que se escuta em aula é história.
Nessa disputa de sentidos, perdemos o contorno do lugar, e é aí que surgem os nossos desencontros com o mundo. As nossas interpretações dizem respeito aos lugares. Mas não temos lugar quando não olhamos os lados. E não há lugar que seja nosso, tampouco. Não somos; estamos. Sob a mais dura das verdades, a linha do horizonte é inatingível, mesmo aos corações mais apaixonados, enlutados, empedrados. Não há topus algum.
Topus vem do grego e define lugar. Foi usada por Tomas Moore para cunhar uma palavra que, talvez sem qualquer pretensão, trouxe ao mundo gurus e coachs interessados em nos ensinar a subir montanhas que nunca subiram, adicionando apenas uma letra, um advérbio, uma negação: o “U”. U-Topus, o não lugar. A nossa utopia.
Como diz aquele post motivacional do Instagram: “ninguém entra no mesmo rio duas vezes”, complementado por “não é só o rio que muda; somos nós também”. O estado mais puro da filosofia moderna de influencers nasceu há mais de 3.000 anos, por um filósofo grego, Heráclito. É nesse ponto que utopia encontra a impermanência.
Há um certo desconforto em nosso íntimo de saber que o que nos sustenta hoje pode não sustentar amanhã. É a impermanência em estado puro. Tomemos um exemplo simples: processos organizacionais não deixam de funcionar porque são frágeis, mas porque insistem em permanecer em um ambiente que não para de se mover. Estratégia, liderança, governança, risco: tudo isso é, na prática, gestão da impermanência. A gestão existe por conta da impermanência, não por outro motivo.
E talvez seja justamente por não aceitarmos o movimento que não percebemos o deslocamento. Perdemos o lugar quando recusamos o movimento ao redor. Não estou falando de lugar de fala, isso que aprendemos a repetir “papagaiamente” em debates nervosos em redes sociais, palanques eleitorais ou discursos empolados. Falo de algo mais simples e mais raro: escutar.
Na escola aprendemos a falar, mas escutar nunca. Curioso é que a oratória tem em sua base conceitual a retórica de Aristóteles, que depois virou uma disciplina formal por nossas interpretações. Em resumo, falamos línguas, mas não escutamos ouvidos.
Curioso?! Nem tanto. A realidade avisa, mas raramente escutamos. Na dúvida, voltemos aos gregos.
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