Você recebe ordens de algoritmo? Justiça trabalhista vai decidir sobre isso
Tese que aponta uma subordinação por meio de algoritmos tem se fortalecido e pode forçar mudança nas regras do trabalho na modalidade
Escute essa reportagem
Com um volume de ações crescentes chegando à Justiça, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se existe vínculo empregatício entre profissionais que atuam em plataformas digitais, como motoristas e entregadores de aplicativos, e empresas responsáveis pelas tecnologias.
A tese que muitos trabalhadores têm tentado comprovar no Judiciário é o da chamada “subordinação algorítmica”, que seria a relação de trabalho controlada pelos aplicativos.
Nesses casos, os motoristas, entregadores e outros profissionais pedem o reconhecimento do vínculo, com o pagamento dos direitos como férias, 13ª salário, aviso prévio, horas extras, entre outros.
Por enquanto, as ações que tramitam têm entendimentos divididos no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Por isso, caberá ao Supremo definir, sem uma data marcada.
Caso entenda pela existência do vínculo, especialistas apontam que plataformas deverão ter de regras e mudar a forma de trabalho.
A advogada trabalhista e presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Espírito Santo (OAB-ES), Alice Cardoso, explicou que a tese de subordinação algorítmica defende que trabalhadores de plataformas digitais estão subordinados aos algoritmos, que ditam como o trabalho deve ser feito.
Isso, segundo ela, implica em controle de jornadas, avaliação de desempenho, direcionamento para um ou outro cliente e até exclusão da plataforma.
“Embora não haja um chefe direto, o controle exercido pelos algoritmos seria equivalente ao controle humano previsto na CLT. Aliás, a legislação trabalhista já inclui o uso de “meios telemáticos e informatizados” como verdadeiras forma de comando, controle e supervisão, o que fortalece a tese de que esse tipo de subordinação pode configurar vínculo”.
A advogada trabalhista e professora da FDV, Aline Simonelli Moreira, explicou que, por enquanto, as turmas do TST estão divididas e o STF dará uma decisão final.
“A 1ª, 4ª e 5ª Turmas do TST não reconhecem a subordinação algorítmica, enquanto a 2ª, 3ª, 6ª e 8ª turma reconhecem. A 7ª Turma ainda não analisou o mérito. Paralelamente, no Legislativo há projetos de lei que visam criar uma nova figura jurídica ou regulamentação dessas relações de trabalho intermediadas por algoritmos”.
O advogado e professor Pedro Carvalho Goularte salientou que o trabalho por plataformas digitais no Brasil é algo recente, especialmente com o surgimento do fenômeno da chamada Uberização, em 2014. “Em virtude da quantidade de ações, bem como dos recursos, e considerando também a ausência de lei expressa sobre o vínculo e a matéria, a tendência é que o STF passe a atuar”.
Jornada acima de 10 horas e punições levam a processos
Entre as ações que chegaram ao Judiciário no Estado, está o de motoristas que relatam cargas horárias de mais 10 horas e ainda punições em alguns casos. O advogado e professor Pedro Carvalho Goularte tem vários clientes que entraram com ações, buscando a comprovação de vínculo empregatício.
“Temos casos de trabalhadores que eram motoristas de aplicativos com jornadas de 10 horas diárias, tendo de obedecer a termos e regimentos internos das empresas”.
Ele pontuou, ainda, que os clientes não podiam dividir seu login com ninguém, recebiam diretamente da plataforma, tendo seu trajeto definido por ela. “Era proibido recusar corrida, sob pena de suspensão e até expulsão da plataforma. Também tinham os valores de corrida definidos pelos algoritmos. Nesses casos, são pedidos o reconhecimento do vínculo de emprego e o pagamento dos direitos legais como férias, 13ª, aviso prévio, horas extras, entre outros”.
Pedro acrescenta que há casos em que foram obtidas vitórias e, outros, em que na primeira instância o pedido foi improcedente, mas depois o tribunal mudou. “É uma tese muito dividida, não somente aqui na Justiça do Trabalho capixaba, mas a nível nacional, no Tribunal Superior do Trabalho”.
O OUTRO LADO
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa empresas como a Uber, 99 e iFood, reitera que a relação entre plataformas tecnológicas e profissionais parceiros cadastrados não caracteriza vínculo de emprego, e as decisões do Poder Judiciário brasileiro são majoritárias neste sentido, inclusive decisão recente da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal.
Disse, ainda, que as empresas associadas não usam de elementos para obter “subordinação algorítmica”, tese interpretativa sem respaldo na legislação. “As pessoas que se cadastram nos aplicativos são trabalhadores independentes, que utilizam a plataformas para gerar ganhos financeiros com autonomia e flexibilidade”.
SAIBA MAIS
Mais ações na Justiça
> O volume de ações envolvendo inteligência artificial vem aumentando no Judiciário:
2019: 218
2020: 640
2021: 1.098
2022: 2.463
2023: 4.531
2027 (até junho): 2.715
> O levantamento, publicado no Valor Econômico, aponta uma prevalência da tese conhecida como “subordinação algorítmica”, em que trabalhadores que atuam em plataformas digitais – como serviços de mobilidade e entrega – buscam o reconhecimento de vínculo empregatício.
O que seria a subordinação a algoritmo?
> Seria a ideia de que, mesmo que o empregador não dê ordens diretas, a própria plataforma digital faz esse controle do trabalho.
> Quem defende a tese quer comprovar que o trabalho humano é substituído pelo digital, ou seja, em vez do chefe decidir como agir, um algoritmo determina o que deve ser feito.
> Os autores de ações alegam que plataformas controlam horários, definem rotas, clientes e preços. Aplicam sanções em caso de inatividade ou pouca atividade do “autônomo”.
> Nas ações que têm chegado ao Judiciário, trabalhadores pedem o reconhecimento do vínculo, tendo direito a pagamento dos direitos legais como férias, 13ª salário, aviso prévio, horas extras, entre outros.
Entendimentos divididos
> No Tribunal Superior do Trabalho, a 1ª, 4ª e 5ª turmas não reconhecem a subordinação algorítmica, enquanto a 2ª, 3ª, 6ª e 8ª turmas reconhecem. A 7ª Turma ainda não analisou o mérito da questão.
> A palavra final caberá ao STF, que vai discutir o reconhecimento ou não de vínculo dos aplicativos, em um julgamento sem data marcada.
> Caso entenda que há vínculo, da forma que estão atuando, especialistas avaliam que as plataformas podem ter de rever regras.
> Em março deste ano, o STF foi unânime em reconhecer que a matéria tem repercussão geral, ou seja, é relevante do ponto de vista social, jurídico e econômica, e ultrapassa os interesses das partes envolvidas no processo.
Fonte: especialistas e pesquisa A Tribuna.
Comentários