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Leitores do Jornal A Tribuna

A IA vai substituir os escritores?

Entre dilemas éticos e estéticos, a IA desafia o futuro da literatura sem substituir sua alma humana

Flora Viguini | 05/09/2025, 12:47 h | Atualizado em 05/09/2025, 12:47

Imagem ilustrativa da imagem A IA vai substituir os escritores?
Flora Viguini é doutora em Letras, pesquisa literaturas brasileira e francesa contemporânea e é professora de Língua Portuguesa. |  Foto: Divulgação

Não é incomum, mesmo na era dos smartphones com câmeras de altíssima resolução, encontrar pessoas que ainda preferem ser desenhadas por retratistas nas praças de grandes cidades. Em Montmartre, em Paris, há sempre turistas posando num banquinho para um artista de rua. Existe algo nessa interação humana e no traço único do retratista que nem a mais fiel fotografia substitui.

Assim como a fotografia não suplantou a pintura, mas a impulsionou a se reinventar e abrir espaço para novas formas de arte, cabe perguntar se a inteligência artificial seguirá caminho semelhante em relação à literatura. Não seria a primeira vez que uma novidade tecnológica provoca temores apenas para, no fim, revelar-se mais ferramenta do que adversária. Ainda assim, a dúvida persiste: a IA vai realmente aposentar os escritores ou apenas obrigá-los a evoluir?

Recentemente, uma editora de Curitiba cancelou um prêmio literário ao desconfiar que alguns textos inscritos haviam sido, ao menos em parte, gerados com auxílio de IA. Seja na revisão de estilo ou na construção de enredos inteiros, o uso dessas ferramentas levanta uma série de questões complexas. Emerge, assim, um desafio para o mercado editorial: como lidar com narrativas impecáveis na forma, mas ocas no conteúdo? O que fazer diante de textos que cumprem todas as regras da escrita, mas carecem de alma, de intenção, de risco, ou seja, elementos que fazem a literatura ser como ela é?

Esses dilemas vão além da crítica literária e chegam à esfera legal e ética. Por exemplo: quem deve ser reconhecido como autor de uma obra criada por inteligência artificial? Hoje, a legislação brasileira de direitos autorais pressupõe que toda obra tenha um criador humano. Não há, até agora, lei que reconheça a máquina como autora. Em alguns países, como o Reino Unido, existe uma previsão específica desde 1988: quando a obra é gerada por computador, a autoria é atribuída à pessoa que fez os “arranjos necessários” para sua criação. Já nos EUA, o Escritório de Copyright e os tribunais foram categóricos: conteúdos produzidos sem contribuição criativa humana não podem receber proteção autoral.

Mas fica a dúvida: a inteligência artificial pode até produzir livros inteiros, mas conseguirá escrever obras como Grande Sertão: Veredas, Memórias Póstumas de Brás Cubas ou uma bela de uma Odisseia? Histórias ela já compõe, mas será que cria vozes literárias singulares, daquelas que ecoam por gerações? Imitar padrões é uma coisa; imprimir em cada frase vivência, visão de mundo, algo genuinamente novo e humano é outra bem diferente.

Se os escritores não forem substituídos por robôs, talvez sejam obrigados a se reinventar em sua própria humanidade. Nesta época em que máquinas já imitam a escrita com perfeição assustadora, talvez reste aos autores de carne e osso justamente o que não se replica: a falha, o abismo, a dúvida e, com sorte, o arrebatamento. Assim como posar para um artista de rua nos dá algo que foto nenhuma entrega, ler um texto com alma é uma experiência insubstituível. A tecnologia muda as ferramentas, mas a essência da arte resiste nas singularidades de quem a cria.

Talvez, quando os algoritmos aprenderem a escrever completamente sem erros, seja justamente o nosso tropeço que continue a contar histórias.

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