A instabilidade sul-americana requer diplomacia
Crises políticas na região exigem do Brasil a liderança diplomática que privilegia diálogo e estabilidade
José Vicente de Sá Pimentel
É comum ouvir diplomatas dizerem que o Brasil é um líder natural na América do Sul. Nem sempre, contudo, se entende o sentido do diplomatês. Trata-se, essencialmente, de uma responsabilidade regional que cabe ao nosso país, e não implica a existência de um mandato para solucionar com rapidez e presteza os conflitos à nossa volta.
A diplomacia é a nossa opção racional e o multilateralismo se impõe como a ferramenta mais eficaz e democrática de encaminhar as pendências. Até porque pendência é o que não falta em nosso entorno.
Comecemos pela Argentina. Javier Milei teve uma vitória expressiva nas eleições legislativas de 26 de outubro e assim teria condições de ser reeleito em 2027. Nada, porém, é muito previsível na Argentina, inclusive os limites da parceria de Milei com Trump. Em outubro, o Tesouro americano acertou com os argentinos um acordo de estabilização cambial da ordem de 20 bilhões de dólares, combinado com uma linha de crédito de mesmo valor. Há poucos dias, o Wall Street Journal anunciou, porém, que a linha de crédito estaria sendo desconsiderada e que, em seu lugar, os banqueiros estariam planejando emprestar 5 bilhões de dólares por meio de um mecanismo de recompra a curto prazo (“repo”). Como isso vai repercutir em Buenos Aires é a questão que se coloca, à qual a estabilidade do governo está muito ligada.
No Chile, o primeiro turno das eleições presidenciais, realizado no dia 16 último, revelou um empate virtual entre a candidata comunista Jeannette Jara, que teve 27 por cento dos votos, e o ultradireitista partido republicano, presidido por José Antonio Kast, com 24 por cento. Os republicanos foram os grandes vencedores nas eleições parlamentares, realizadas em paralelo, e é por isso considerado capaz de unir toda a direita e assegurar a vitória no segundo turno, marcado para 14 de dezembro. Kast é trumpista, e vai além: é fã assumido do antigo ditador Pinochet. Com essas credenciais, não poderá deixar de dividir os chilenos, portanto um governo chefiado por ele vai dar o que falar, e muito para trabalhar diplomaticamente.
No Equador, Daniel Noboa, reeleito em 13 de abril, declarou estado de exceção e governa entre greves, denúncias de violações de direitos humanos e manifestações populares contra a política de eliminação dos subsídios ao diesel. Noboa, que é da escola de Trump, trata os manifestantes com rigor extremado, com o que joga mais lenha na fogueira. Achou que venceria um referendo nacional sobre o estabelecimento de bases militares estrangeiras – diga-se americanas – em território equatoriano. O plano deu errado: perdeu a consulta popular com quase 63 por cento de votos contrários.
O Peru não precisa de interferência estrangeira, seus políticos criam os próprios problemas. O país teve seis presidentes nos últimos sete anos. O atual, Jose Jeri, tem 38 anos, era deputado por um partido de direita e assumiu a presidência após a destituição de Dina Boluarte, primeira mulher presidente do país, destituída em outubro por “incapacidade moral permanente”. Apesar do retrospecto, os peruanos acentuam que todas as destituições e subsequentes eleições seguiram os preceitos constitucionais.
O caso mais grave é o da Venezuela. Nicolás Maduro tomou posse no segundo mandato presidencial em 10 de janeiro último, mas sua legitimidade não foi reconhecida nem pela oposição, nem pela grande maioria da comunidade internacional, inclusive pelo Brasil e o chamado Grupo de Lima, de que participam, além de nós, doze países sul e centro-americanos, além do caribenho Saint Lucia. É aqui que o fator Trump se revela mais perigoso e imprevisível. Sexta-feira, o New York Times anunciou que os presidentes americano e venezuelano conversaram por telefone e levantaram a possibilidade de um “tête-à-tête” em breve. Ontem, contudo, Trump divulgou, num tuíte, que o espaço aéreo venezuelano está fechado e todas as companhias aéreas devem evitar a área. Ou seja, seguem as ameaças, segue a instabilidade. Até onde ele vai nessa escalada?
As intervenções do governo americano parecem sair daquele bordão do Chacrinha, “eu vim para atrapalhar e não para esclarecer”. Seria muito melhor que suas declarações e ameaças fossem abandonadas, e o encaminhamento das soluções deixado a cargo da histórica responsabilidade brasileira de conduzir os conflitos às mesas de negociação. É lento o processo negociador, mas também mais garantido; deixa com quem sabe. Até porque, parafraseando Churchill, pode-se dizer que a diplomacia é o pior sistema de solução de conflitos, exceto todos os demais.
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Opinião Internacional,por José Vicente de Sá Pimentel