Ziguezagueando rumo à racionalidade
Trump e China avançam em acordo enquanto tensões geopolíticas persistem
Fazer zigue-zagues é caminhar descrevendo linhas sinuosas, como os bêbados. A imagem projetada pelas relações internacionais de nossos dias é sinuosa, em grande parte devido ao tipo de liderança atualmente exercida pelos EUA. O encontro de quinta-feira última entre Trump e Xi Jinping, às margens da cúpula da ASEAN, pode melhorar esse estado de coisas.
Depois de uma guerra comercial de nove meses, as negociações entre a China e os EUA conduziram a resultados que apontam na direção certa. Não indicam, ainda, a linha de ação diplomática que deverá pautar as ações de longo prazo da Casa Branca. Mas desta vez, pelo menos, a razão prevaleceu.
Pelo acordo de 30 de outubro, a China adiará por um ano o anunciado aumento dos controles sobre as suas exportações de metais de terras raras. Sabe-se que as terras raras são essenciais para a segurança dos EUA, inclusive para a produção de semicondutores e de sistemas de armamentos. Consta que, além disso, voltará a importar soja americana e deverá impor novas restrições ao comércio ilegal de Fentanil. De sua parte, Trump eliminará as tarifas adicionais de 100% sobre importações chinesas.
É sempre positiva a disposição para negociar, até porque evita uma escalada das tensões. Desse ponto de vista, Trump merece os aplausos que imediatamente reivindicou, embora sempre se possa argumentar que ele apenas se livrou da encrenca que criou ao impor as tarifas.
As negociações poderão também reduzir o tom e truculência da retórica anti-chinesa ora em voga nos EUA. Já será positivo se voltar aos níveis prévios ao segundo mandato de Trump. Sabemos todos que uma retórica conciliatória e gestos ponderados podem ser fatores muito construtivos em política. A minha geração respirou aliviada ao ver as fotos do aperto de mão de Reagan e Gorbachev, em 1986, que acabou possibilitando a assinatura, no ano seguinte, do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário. Hoje, a rivalidade exacerbada voltou a ser considerada natural.
A esperança de uma atitude mais civilizada de parte de Trump se contrai, quando ele anuncia a retomada dos testes nucleares, o que naturalmente suscita a hipótese de utilização dessas bombas. Será apenas mais uma bravata? Será que ele, assim como Erasmo Carlos na adolescência, precisa manter a sua fama de mau? Fica sempre a dúvida: no longo prazo, Trump escolherá os verdadeiros interesses americanos, ou os seus próprios interesses?
Trump tem feito apostas arriscadas. Bombardeou o Irã, vem mantendo total apoio a Netanyahu, é dúbio com relação à Ucrânia e de uma generosidade fora do script para com Milei. Para o Brasil, e para toda a América do Sul, mais preocupante é a possibilidade de uma aposta militar na Venezuela.
Na sexta-feira última, Trump negou que esteja considerando lançar ataques ao interior do território venezuelano. Esperemos que não. O que temos visto, porém, é um aumento preocupante de caças, navios de guerra e soldados no Caribe. Pelo menos catorze ataques foram realizados a pequenas embarcações naquela região e no Pacífico. Sabe-se também que a CIA foi autorizada a atuar secretamente (sic) junto a lideranças venezuelanas.
Ungida pelo Nobel, Maria Corina Machado jogou-se no colo de Trump, na tradição de uma vertente político-diplomática venezuelana de completo alinhamento aos EUA. Em contraposição, Henrique Capriles rejeitou a intervenção americana e com essa plataforma candidatou-se às eleições legislativas de maio próximo, em que os partidários de Maduro serão, presumivelmente, o alvo a abater. Ou seja, a Venezuela está como sempre esteve, e continuará no futuro previsível dividida e imprevisível.
O cenário racional é que a Casa Branca aproveitará a chegada a Washington de Geraldo Alckmin, Fernando Haddad e Mauro Vieira para acertar o apoio americano a uma participação mais incisiva do Brasil na condução da crise venezuelana. Isso depois de cancelar as tarifas de 50% sobre as exportações brasileiras, que nunca fizeram sentido, e depois da acomodação com a China fazem menos ainda.
A Comissão negociadora do Brasil saberá expor porque os EUA têm interesse em trabalhar construtivamente com o Brasil. Não posso nem imaginar que os americanos prefiram atrelar-se às intrigas de quintas-colunas traiçoeiros. Por isso, parece-me previsível que a nossa missão terá pleno sucesso. Será mais um sinal de que a diplomacia americana está tomando juízo.
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