O impacto invisível que deixamos no outro
Pequenos gestos podem se transformar em marcas profundas na vida do outro
Em um destes finais de semana, em meio a um encontro descontraído com amigas, vivi uma experiência que me fez pensar sobre a delicadeza com que nossas vidas se entrelaçam. Antes mesmo de chegar ao barzinho, reencontrei uma antiga colega de faculdade.
Não era apenas um encontro casual: ela é mãe de uma jovem com quem também convivi durante a trajetória acadêmica. Naquele instante, percebi que pequenos gestos que parecem banais podem, com o tempo, revelar-se transformadores.
Ela se aproximou com lágrimas nos olhos e disse: “Queria te agradecer por tudo que você fez pela minha família. Você não sabe, mas fez uma modificação muito grande na nossa vida.” Fiquei surpresa. Afinal, em minha memória, não me recordava de nenhum momento de grande impacto entre nós.
Essa experiência me levou a refletir sobre como caminhamos no mundo muitas vezes sem medir o alcance de nossas ações. Na pressa cotidiana, acreditamos que apenas os grandes atos têm relevância. Porém, como lembra Martin Buber, filósofo existencialista, nossa humanidade se revela nos encontros.
Para ele, existem duas formas de relação: a do “Eu-Isso”, quando tratamos o outro de maneira funcional, como objeto de nossas necessidades; e a do “Eu-Tu”, quando encontramos verdadeiramente o outro em sua singularidade, abertos à presença e à reciprocidade.
Talvez, naquele tempo de faculdade, mesmo sem perceber, eu tenha vivenciado esse “Eu-Tu”: não apenas uma monitora ou colega, mas alguém que olhava para aquela jovem com atenção genuína, com presença autêntica.
É nesse ponto que o impacto acontece: quando deixamos de agir pelo automatismo e nos permitimos estar inteiros no momento. Acolher uma palavra, oferecer escuta, compartilhar uma reflexão – tudo isso pode ser invisível para quem dá, mas vital para quem recebe.
E o mais curioso é que, muitas vezes, só anos depois temos notícia de como nossa presença reverberou.
Esse reencontro foi, para mim, um presente inesperado. Um lembrete de que, ao sermos abertos e menos egoístas, ao deslocarmos o olhar do “eu” para o “nós”, podemos marcar vidas sem sequer notar.
Foi também uma retribuição silenciosa: ao agradecer, aquela família me ofereceu a alegria de saber que, de alguma forma, fui parte de sua caminhada.
Hoje, quase vinte anos após a formatura, vejo com nitidez o quanto as histórias se cruzam e se influenciam. A mãe sempre foi uma pessoa de coração generoso. A filha herdou esse mesmo carisma, essa mesma índole luminosa.
E naquele reencontro, a gratidão delas se transformou em um espelho para mim: às vezes pensamos que caminhamos sozinhos, mas estamos sempre deixando rastros na estrada do outro.
O tema de hoje é justamente esse: o impacto invisível que deixamos. Seja positivo ou negativo, ele existe e reverbera.
Que possamos, então, escolher estar presentes com mais consciência, cultivar encontros verdadeiros e semear no cotidiano o tipo de gesto que, mesmo silencioso, se tornará memória viva e gratidão no coração do outro.
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