Reinvenção civilizacional e virtuosidade digital
Entre telas e pedras: aprendendo a viver na era digital
No meio do caminho tem a rede. O caminho é a rede. Mas não só. Há ainda o caminho com pedra no meio do caminho. Mas o caminho de chão e obstáculos palpáveis poetizado por Drummond está cada vez mais à margem, escanteado pelas rotas digitais nesta contingência existencial de dupla dimensão, a virtual e a material. Na encruzilhada da jornada contemporânea, por onde seguir? Há trilha a se privilegiar, via a se cancelar?
Viver é aprender – verdade inarredável. Mas, neste novo mundo de dois patamares que se retroalimentam – um de visualidades, outro de tangibilidades –, viver é exaustivamente reaprender a existir. Tarefa nada fácil esta a de inventar uma civilização sincrética, informacional-presencial.
Diante de novidades cataclísmicas como esta, é comum que extremos se coloquem, à la “ame ou odeie”. Dois livros ajudam a pensar acerca de que rumo, ou rumos, tomar. Um alerta para os efeitos nocivos da realidade das telas onipresentes. Outro aponta que não há escolha que passe ao largo da ubíqua digitalidade.
O título do best-seller de Jonathan Haidt, “A geração ansiosa – Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais”, já diz tudo.
Para Haidt, é preciso seguir uma dieta do “nada”: “nada de smartphone antes do nono ano”, “nada de redes sociais antes dos dezesseis”, “nada de celular na escola”.
Na outra ponta, está o recém-lançado “O guia do midiatra – Como criar crianças saudáveis, inteligentes e respeitosas em um mundo saturado de telas”, de Michael Rich. Aqui também o título é eloquente acerca do que o livro vai recomendar: não dá para cancelar a digitalidade nem abrir mão dela, fato que requer um novo aprendizado acerca de como controlar as tecnologias, evitando-se o contrário, já que elas seriam incontornáveis.
Um exemplo recente mostra o quanto ainda precisamos amadurecer na vivência digital, sem radicalidades. Depois de uma farra no uso dos celulares, não sem drásticas consequências, recentemente impôs-se uma lei que interdita a utilização dos smartphones nas escolas do País. As primeiras pesquisas apontam para ganhos de rendimento escolar, o que é admitido pelos próprios estudantes.
Drummond falava de “retinas tão fatigadas” de topar com pedras no meio do caminho. O que dizer de nossas retinas na era das telas, no tempo em que elas são mesmo um caminho? Haja fadiga. De todo modo, não há de se tirar a rede do caminho, nem reduzir todo caminho à rede. Vale o norte aristotélico de que a vida virtuosa é o caminho do meio: In medio est virtus.
Se no caminho das pedras, alcançamos algum know-how de como seguir, nas rotas dos ciberterritórios ainda é necessário constituir uma virtuosidade digital. Não dá para fingir que o reino das redes inexiste, mas também não devemos acelerar às cegas.
É preciso temperança para seguir. Aprendamos, pois, a caminhar no “continente de bytes” longe dos extremos, com a cautela que a imaturidade requer.
Afinal, nesse universo informacional, nesta existência bidimensional, estamos todos engatinhando.
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