A equação do amor em jornada afetiva às cegas
O amor resiste ao tempo e às definições, como desejo, mistério e encontro. Amar é arriscar-se na incompletude e talvez nossa melhor chance de viver
As emoções partilhadas, a dívida que resta do presente ofertado, a opressão marqueteira, a solidão do dia... Por um motivo ou outro, a celebração do namoro ainda ecoa na agenda afetiva comum, de enamorados ou não. Pode-se dizer que se trata de uma entre tantas efemérides comerciais disfarçadas de louvações sublimes, mas talvez seja uma oportunidade para se pensar sobre um dos maiores mistérios do existir: o amor.
Mestre da língua portuguesa, Camões, no soneto “Amor é um fogo que arde sem se ver”, demonstra o quão difícil é apreender com precisão o que é o amor. Mas, se nos faltam definições cabais, juntemos vestígios da experiência e do pensar para, ao menos, produzir algum “saber” sobre um afeto que tanto nos comove.
Roland Barthes interroga: por que, entre milhares, amo um? Amo alguém que me é “adorável”, responde, num arremedo de definição, como diz. E arremata: “Quanto mais me aproximo da especialidade do meu desejo, menos posso nomeá-la; à precisão do alvo corresponde um estremecimento do nome; o próprio do desejo não pode produzir senão um impróprio do enunciado”.
Vladimir Safatle complexifica a impossibilidade de uma arqueologia do desejo amoroso, afirmando “que não temos relações sexuais com pessoas”, mas “relações com olhares, traços de caráter, com sons e gemidos, com partes de corpos que nos remetem a uma história de conexões entre momentos, experiências, lugares”. Isso tudo, “envoltos em uma densidade de tempos e história que nem sequer saberíamos como decompor”.
Ao analisar “métodos pelos quais nos esforçamos para conseguir felicidade”, tentando exorcizar o desamparo, Freud fala da “vida que faz do amor o centro de tudo, que busca toda satisfação em amar e ser amado”. Mas é jogo arriscado, apesar de pertinente, ao que alerta: “nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desesperadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor”.
Nessa corrida de obstáculos e às cegas, Regina Navarro Lins adiciona: quando se fala do típico casal, trata-se “sempre de um casal a três. Somos sempre três quando vivemos a dois: você, eu e o relacionamento que compartilhamos”. Dessa equação amorosa à vera (1 + 1 = 3), depreende-se que não existe a outra “metade da maçã”, prevista no amor romântico, cuja equação, improvável, é 1 + 1 = 1.
O hoje agenda novas formas de realizar a potência do amar, especialmente a partir de emancipações que lutam para se firmar, reclamando seu quinhão nas diversas formas de amar, verbo que se conjuga no presente histórico de cada tempo e que se aprende a conjugar amando e sendo amado.
Nesse sentido, em mais uma vã tentativa de conceituar algo tão refratário a definições, amar é ter coragem de viver o desejo impossível de nomear, sem rumo e sem garantia de final feliz. É compartilhar mistérios e vazios, mas também prazeres e bem-quereres. É apostar num encontro de desamparados, vivendo as dores e as delícias da incompletude acompanhada. Viva os amores – nossa melhor chance!
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