O fígado torturado pelo álcool
Artigo publicado na edição desta terça-feira (23), do jornal A Tribuna
A sobriedade da alegria deixa o coração embriagado de harmonia, enquanto o entorpecimento do álcool turva a sensação de uma lucidez feliz. O fígado é a maior glândula do corpo humano, com atividade endócrina e exócrina.
Localizado na região abdominal, esse órgão vital tem o formato que lembra um trapézio, com os ângulos arredondados. Pesando um quilo e meio, de coloração marrom-avermelhada, o fígado é formado por milhões de células que se agrupam em placas, sendo chamadas de hepatócitos.
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Essa glândula tem notável capacidade de regeneração. Caso seja retirado metade do fígado, em poucos meses ele voltará ao tamanho normal.
Abuso de bebidas alcoólicas, infecções crônicas pelos vírus das hepatites B, D e C, além de uso de determinados medicamentos são algumas das principais causas da cirrose, forma avançada da doença hepática.
De modo progressivo, esses fatores causam inflamação, morte e regeneração celular, dentre outras consequências, resultando em fibrose, formação de nódulos e comprometimento da função do fígado.
Um dos principais agentes causadores da cirrose hepática é o consumo excessivo de bebida alcoólica. Existe um aspecto cultural brasileiro que gera preocupação: paixão por cerveja, cachaça e vinho. Esses aditivos agridem o fígado, podendo desencadear episódios repetidos de inflamações e cicatrizações nodulares, em vez de células saudáveis.
Como consequência, o órgão deixa de produzir bile e colesterol, regular os níveis de açúcar, metabolizar o álcool e diminuir a síntese de proteínas e os fatores de coagulação.
A deformidade do fígado faz com que a circulação sanguínea dentro dele seja dificultada, o que causa acúmulo de sangue no baço, estômago, intestino e esôfago.
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Ao ser exposto a doses excessivas e regulares de bebidas alcoólicas, o fígado torna-se cirrótico. Nos estágios iniciais, a doença é assintomática. Entretanto, com a progressão da substituição das células normais pela deposição de colágeno e elastina, a função do órgão começa a ser afetada e o indivíduo desenvolve os seguintes sintomas: vômitos, náuseas, perda de peso, dor abdominal, diarreia, fadiga, edema e icterícia.
O tecido fibroso, que substitui o tecido hepático normal, bloqueia o fluxo sanguíneo através do órgão, impedindo que o fígado exerça suas funções. A cirrose é uma enfermidade com altos custos em termos de sofrimento, perda de produtividade e tratamento. Importante lembrar que não há relação entre embriaguez e dano hepático; ou seja, o fato de uma pessoa não ficar embriagada não significa que seu fígado não esteja sofrendo.
“Se um homem escreve bem só quando está bêbado, ele deve beber”, dizia o genial Fernando Pessoa. “Se o bebedor disser que o seu fígado sofre com isso, eu respondo: o que é um fígado?”. “É um órgão que vive, enquanto vivemos”. “Já os poemas, viverão para sempre”.
“O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é vida a morte que deveras sente”.
João Evangelista Teixeira Lima é clínico geral e gastroenterologista
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