O bom médico envelhece estudando
Crônicas e dicas do doutor João Evangelista, que compartilha sua grande experiência na área médica
Dr. João Evangelista
A busca pelo diagnóstico inicia-se no momento da interação com o paciente, por meio da história clínica e do exame físico. Essas etapas são importantes à identificação de padrões que orientarão a conduta médica. O reconhecimento desses padrões, sustentado pelo vasto conhecimento científico e arquétipos de doenças, possibilita ao médico, jovem ou idoso, filtrar e priorizar as hipóteses diagnósticas prováveis.
A eficácia desse processo depende da experiência e do constante aprimoramento do conhecimento do médico.
A excelência do raciocínio clínico requer que o profissional esteja sempre atualizado.
O médico que não mais estuda, confunde longevidade com legitimidade, como se aquilo que sobreviveu ao tempo o tivesse feito por mérito intrínseco, ignorando os inúmeros fatores que fazem ideias persistirem, mesmo quando erradas. A passagem do tempo, por si só, não valida nada.
Uma prática pode persistir por milênios, sem jamais ter sido eficaz. A sangria médica, por exemplo, dominou dois mil anos de medicina não porque funcionasse, mas porque sua lógica interna era coerente com as teorias da época. Alguns pacientes melhoravam apesar dela, não por causa dela.
A antiguidade dessa prática apenas demonstra que sistemas de crenças podem se perpetuar na ausência de escrutínio adequado.
A tenacidade temporal de uma prática pode refletir apenas a incapacidade de enxergar o que deu errado.
Isso não significa que devemos ignorar, automaticamente, práticas que persistiram no tempo. A persistência pode funcionar como geradora de hipóteses científicas a serem investigadas, mas sempre como um ponto de partida, não de chegada.
Existem duas pressuposições falsas: A primeira é que tempo de prática equivale ao acúmulo de conhecimento válido. A segunda é que juventude seja sinônimo de ignorância. Ambas são demonstravelmente incorretas.
Um médico que passou a vida profissional repetindo as mesmas práticas sem questioná-las, sem atualizar-se por meio da literatura científica e sem desenvolver pensamento científico, não acumulou anos de experiência. Acumulou pouca experiência, repetida muitas vezes.
Seria injusto descartar o valor da experiência. O problema não é a experiência em si, mas a experiência que não permite crítica.
Profissionais experientes são aqueles que integram evidências científicas ao juízo clínico apurado.
A medicina navega na complexidade, ambiguidade e incerteza.
O bom médico não usa seu tempo de prática como escudo, mas como ferramenta para fazer novas perguntas e individualizar evidências.
Não se deve julgar um tratamento pela longevidade, mas examinar evidências científicas complexas e individualizá-las ao contexto de cada paciente.
É de vital importância não escolher o caminho mais fácil, pois ele pode trazer o risco de levar à direção errada.
“A verdade é filha do tempo”, mas daquele tempo que se submete à crítica. No fundo, “verdade” são as perguntas que fazemos enquanto o tempo passa.
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