A polêmica covid longa
Pedaços de espícula do Sars-CoV-2 foram encontrados em órgãos como pulmões, cérebro e coração
Vários pacientes que tiveram covid-19 indagam se algum dia voltarão a se sentir bem. São perguntas complexas e sem respostas satisfatórias.
Os mecanismos fisiopatológicos da covid prolongada não estão bem esclarecidos, admitindo-se várias hipóteses, como decorrentes de alterações imunitárias residuais, danos da inflamação sistêmica, sequela da tempestade de citocinas e persistência de fragmentos virais.
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Nos jovens, os sintomas mais comuns são fadiga, tosse, dor de garganta, cefaleia, febre, dor abdominal, ansiedade e depressão. Nos adultos, os sintomas persistentes mais frequentes são alterações no olfato e no paladar, febre, dificuldade para respirar, tosse, dor de garganta, queda de cabelo, fadiga, exaustão e dor de cabeça.
Existem dúvidas sobre o prognóstico para pessoas acometidas com sintomas persistentes. A maioria dos pacientes apresenta alguma melhora nos primeiros três meses, ainda que haja contratempos ou não se sinta totalmente recuperada.
Acredita-se que, nesses casos, o vírus que causa a covid-19 permanece no organismo de algumas pessoas, provocando inflamação e sintomas por muito tempo.
Pedaços de espícula do Sars-CoV-2 foram encontrados em vários órgãos, como pulmões, cérebro, coração e intestinos, em pacientes que persistiram sintomáticos por períodos de sete meses.
Vale destacar que reservatórios virais são difíceis de detectar, por não serem identificados em exames de sangue.
A persistência da proteína Spike na covid longa provoca a formação de minúsculos coágulos sanguíneos, bloqueando os capilares e afetando o fluxo de sangue e oxigênio.
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Ao contrário dos coágulos que bloqueiam artérias e veias, os microcoágulos ocorrem em pequenos vasos sanguíneos.
Caso esses minúsculos trombos persistam por períodos prolongados, o organismo pode produzir autoanticorpos, proteínas que, inadvertidamente, atacam os próprios tecidos saudáveis do corpo, causando distúrbios debilitantes.
Durante a pandemia, surgiram vários casos de depressão emocional. Isolamento e medo, entre outros fatores psicossociais, serviram de justificativa. Com o passar do tempo, verificou-se que o próprio vírus era um dos agentes causadores de quadros depressivos.
O vírus Sars-CoV-2 pode gerar inflamação e ativar células imunes no sistema nervoso central, produzindo moléculas inflamatórias, podendo afetar regiões do cérebro que regulam o afeto e as emoções.
Ele também pode atacar o revestimento dos vasos sanguíneos, o que pode comprometer o fluxo de sangue e oxigênio ao cérebro e interromper áreas que regulam a emoção.
Além disso, o coronavírus pode perturbar a diversidade e o equilíbrio das bactérias no intestino, que, por sua vez, poderia alterar os níveis de certos neurotransmissores, mensageiros químicos que transmitem sinais nervosos por todo o corpo e cérebro, estando envolvidos em regulação do humor, produzindo, com isso, turbulência emocional.
A sequela do sofrimento deixa o coração com medo da alegria.
João Evangelista Teixeira Lima é clínico geral e gastroenterologista