O cenário dos cuidados paliativos
Entre avanços institucionais e desafios práticos, a área ainda enfrenta lacunas na assistência
Leitores do Jornal A Tribuna
Os cuidados paliativos são uma área de atuação que busca melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameaçam a vida, prevenindo e aliviando o sofrimento físico, psicológico, social e espiritual, com atenção precoce à dor e a outros sintomas.
Seus pilares incluem apoio focado no paciente e nos familiares, trabalho em equipe multiprofissional, controle de sintomas e comunicação efetiva. São fundamentos essenciais para que a assistência faça sentido.
Mas a prática vive um paradoxo. Houve avanços. Onze anos após a resolução da Assembleia Mundial da Saúde de 2014, a Política Nacional de Cuidados Paliativos foi publicada em 2024 e, em 2025, começaram a ser liberados recursos para equipes matriciais.
Ao mesmo tempo, a área de atuação virou tema de reportagens, debates legislativos e conteúdo nas redes sociais. Fala-se muito sobre o assunto, mas a prática baseada em ciência, bem estruturada e integrada, ainda é limitada.
O Atlas de Cuidados Paliativos nas Américas 2025, recentemente divulgado, reforça o cenário. Ele marca um avanço histórico ao reunir dados dos 35 países do continente e, no caso do Brasil, aponta conquistas relevantes, mas também a necessidade de ampliar o acesso e fortalecer a integração dos cuidados paliativos em todos os níveis do sistema de saúde.
Essa realidade evidencia contradições. Em muitos serviços, não há equipes dedicadas exclusivamente aos cuidados paliativos. Profissionais assumem funções por tabela, enquanto priorizam atribuições principais. A hierarquia médica muitas vezes impede a autonomia de enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e fisioterapeutas, mesmo com expertise relevante.
A formação também é insuficiente. Pesquisadores alertam há anos sobre a limitação do ensino do tema nos cursos da área da saúde. Muitos alunos não têm contato profundo com o assunto e se sentem inseguros para lidar com a morte e o sofrimento. Sem preparo, a prática acaba sendo improvisada ou confundida com negligência.
Práticas integrativas são quase ausentes. Na teoria, os cuidados paliativos valorizam o cuidado integral, mas, no cotidiano, raramente há musicoterapia, apoio espiritual estruturado ou arteterapia, por exemplo. Essa lacuna empobrece o sentido humano do cuidado, tornando-o centrado quase exclusivamente em medicações.
Transformar o tema em bandeira midiática gera expectativas desproporcionais. Caminhos possíveis incluem disseminar a cultura dos cuidados paliativos na sociedade, integrar a prática nos diferentes níveis de atenção — da básica ao hospitalar — e fortalecer redes de referência e matriciamento. É necessário constituir equipes exclusivas, incentivar práticas integrativas, ampliar a formação com a inclusão do tema na graduação e promover avaliação constante e pesquisa para monitorar qualidade, satisfação de pacientes e familiares e resultados clínicos.
Os cuidados paliativos têm um potencial transformador. Que a atenção e a visibilidade se convertam em compromisso ativo, investimento concreto e cultura institucional. Cuidar de fato, com técnica, ética e compaixão alinhados, deve ser prioridade no serviço de saúde.
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