Farra do INSS: empréstimo a idosos dispara e bancos dobram seus ganhos
Carteira do consignado INSS de instituições foi multiplicada em até 20 vezes em 3 meses, com aumento superior a 100% no faturamento
Bancos brasileiros dobraram seus ganhos com empréstimos consignados para aposentados em todo o País, e faturaram R$ 466 bilhões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nos últimos cinco anos.
Além disso, chegaram a multiplicar suas carteiras de empréstimos consignados para aposentados em até 20 vezes no período de um trimestre.
Os dados são de um levantamento do Portal Metrópoles com base em dados obtidos com a Lei de Acesso à Informação (LAI), e envolve 87 bancos que mantêm ou mantiveram Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com o INSS até este ano para explorarem essa modalidade de crédito.
Os números contemplam dados de faturamento e de novos empréstimos mensais, de janeiro de 2020 até outubro deste ano.
No início do período, os bancos faturavam R$ 4 bilhões mensais com consignados, acumulando R$ 50,6 bilhões naquele ano. Com um pico de crescimento durante a pandemia, saltou para até R$ 9 bilhões no mês, fechando 2024 com R$ 100,8 bilhões. No mesmo período, a carteira de empréstimos ativos saltou 52%, passando de 23 milhões para 35 milhões de contratos.
Na evolução dos créditos nesse período, algumas instituições multiplicaram suas carteiras de consignados em poucos meses. Uma delas passou de 20 mil empréstimos ativos, em junho de 2021, para 409 mil, em outubro do mesmo ano.
O mercado de empréstimo consignado está conectado à chamada farra dos descontos indevidos das associações investigadas por fraudes contra milhões de aposentados. As entidades usavam os mesmos correspondentes bancários de grandes instituições financeiras para filiar novos associados.
A diferença entre os dois mercados é que muitas das associações da “farra do INSS” eram fantasmas.
A advogada especialista em Direito Previdenciário Edilamara Rangel avalia que falta esforço e empenho por parte das autoridades para impedir tais situações. “Não adianta só multar, porque as empresas vão reincidir”, diz.
Para o advogado especialista em Direito Civil e Previdenciário Lukas Pedruzzi, é necessário que órgãos regulatórios, como o INSS e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) busquem medidas mais enérgicas no combate às fraudes. Procurada, a Febraban não se manifestou até o fechamento desta edição.
INSS diz que já rescindiu 19 acordos com instituições
O INSS afirmou já ter rescindido 19 acordos com bancos, “devido a descumprimento de normas por parte das instituições financeiras”, que outros quatro ACTs estão suspensos, três expiraram e não foram renovados, e que quatro instituições solicitaram a rescisão dos acordos de maneira voluntária.
O órgão informou que a atual gestão, comandada pelo procurador federal Gilberto Waller Júnior, “implementou uma série de medidas de controle para a concessão do crédito consignado, priorizando a proteção dos segurados e a transparência nas parcerias com instituições financeiras”.
Segundo o INSS, “foram firmados diversos termos de compromisso com instituições financeiras, entre eles um acordo que estabeleceu a restituição de mais de R$ 7 milhões cobrados indevidamente de cerca de 100 mil beneficiários”.
Além disso, a nota diz que “não há tolerância para omissões ou manutenção de acordos diante de suspeitas de irregularidade, refletindo o empenho da atual gestão em reverter práticas inadequadas e assegurar um ambiente de respeito aos direitos do segurado”.
Procurado, o Procon-ES informou que, ao identificar qualquer desconto indevido no benefício, o consumidor deve consultar o Meu INSS para verificar a origem do débito e solicitar o bloqueio de novas operações consignadas. Também é orientado registrar Boletim de Ocorrência, além de apresentar reclamação ao Procon.
Como prevenção, o órgão orienta que o consumidor verifique regularmente, no contracheque, se há descontos não identificados no benefício ou cobranças de associações que não foram autorizadas.
Saiba Mais
Ex-diretores suspeitos firmaram acordos
Farra do INSS
Existem conexões entre o mercado de empréstimos consignados e a farra dos descontos indevidos das associações investigadas por fraudes contra milhões de aposentados, que podem chegar até R$ 6,3 bilhões.
As entidades usavam os mesmos correspondentes bancários de grandes instituições financeiras para filiar novos associados. Assim como as associações, bancos só podem descontar diretamente da folha de aposentados mediante acordos de cooperação técnica (ACTs) com o INSS.
Os mesmos ex-diretores do INSS suspeitos de receber propina das entidades que fraudaram descontos associativos firmaram os acordos entre o órgão federal e os bancos.
A diferença é que muitas das associações da “farra do INSS” eram fantasmas. No caso dos bancos, as instituições existem de fato.
Por isso, é difícil mensurar o percentual de fraudes cometidas. No entanto, órgãos públicos têm constatado aumento expressivo de queixas sobre crédito consignado no INSS. A Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor registrou 35,6 mil reclamações sobre o assunto entre clientes de bancos, empresas do setor financeiro e administradores de cartões, no primeiro quadrimestre de 2025. No ano anterior, eram 22,2 mil.
Irregularidades comuns
Há três principais motivos para reclamações consideradas procedentes nas esferas administrativa e judicial. A primeira diz respeito a descontos indevidos. São casos em que aposentados alegam ter descoberto que havia empréstimos, não raro, de mais de uma instituição financeira em seus nomes.
O segundo tema das reclamações diz respeito à abordagem feita por telefone. Aposentados têm conseguido anular na Justiça contratos de empréstimos consignados em que os termos, como valores e juros, são descritos de maneira distorcida por intermediários dos bancos.
Outra reclamação recorrente tem relação com a portabilidade de aposentadorias. Usualmente, são casos em que aposentados afirmam ter tido seus benefícios indevidamente transferidos a outros bancos.
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