“Tecnologia não substitui o rigor científico dos testes clínicos”, diz especialista
Renato Porto destaca que apesar da IA ajudar, certos processos não irão mudar

Por mais que a tecnologia avance e a Inteligência Artificial (IA), por exemplo, desponte como uma ferramenta que pode mudar os rumos do desenvolvimento de medicamentos, especialistas acreditam que certos processos não vão mudar.
“É importante ressaltar que isso (IA) não substitui, nem deve flexibilizar, o rigor científico e ético dos testes clínicos que já são exigidos hoje. A IA deve ser uma ferramenta complementar, que apoia as decisões, sem comprometer a segurança dos pacientes”, afirma Renato Porto, presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).
Renato destaca ainda que no Brasil, por exemplo, a Anvisa já anunciou o uso de ferramentas baseadas em IA na análise de impurezas em medicamentos, o que acelera etapas de registro e pós-registro.
A TRIBUNA Acredita que com a IA teremos tratamentos mais personalizados, de acordo com as características de cada paciente?
Renato Porto Sim. A IA pode permitir a personalização de tratamentos com base no perfil genético, histórico clínico e outras características individuais dos pacientes. Isso pode resultar em terapias mais eficazes e com menos efeitos adversos.
Ela pode ser uma ferramenta no desenvolvimento de remédios para doenças raras, que muitas vezes não recebem tanta atenção da indústria?
A IA é especialmente promissora no campo das doenças raras. O desenvolvimento de medicamentos nessas áreas é complexo e, justamente pela dificuldade em reunir grupos de pacientes suficientemente amplos para a realização dos estudos clínicos tradicionais, a pesquisa clínica e o desenvolvimento de novos tratamentos pode ser um processo moroso.
Nesse sentido, a Inteligência Artificial tem o potencial de contribuir ao identificar padrões em bases de dados menores e ao gerar modelos preditivos mais robustos, ajudando a viabilizar pesquisas e acelerar o desenvolvimento de terapias inovadoras para esses pacientes.
A IA ajudaria a prever efeitos colaterais de um remédio antes dele ser testado em humanos?
É possível, utilizando algoritmos de aprendizado de máquina e banco de dados com informações moleculares e clínicas, que a Inteligência Artificial venha a prever reações adversas e efeitos colaterais potenciais antes da fase de testes em humanos.
No entanto, é importante ressaltar que isso não substitui, nem deve flexibilizar, o rigor científico e ético dos testes clínicos que já são exigidos hoje. A IA deve ser uma ferramenta complementar, que apoia as decisões, sem comprometer a segurança dos pacientes.
Pesquisadores da Ufes utilizam IA
Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) está utilizando a Inteligência Artificial e ferramentas de biologia computacional para acelerar a busca por novos medicamentos e melhorar diagnósticos.
Segundo a pós-doutora Débora Dummer Meira, professora e pesquisadora do Núcleo de Genética Humana e Molecular – vinculado ao Departamento de Ciências Biológicas e ao Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Ufes –, a estratégia combina diferentes áreas do conhecimento.
Ela pode trazer avanços importantes em doenças como o câncer, além de abrir caminhos para a chamada bioeconomia azul e verde – que aproveita recursos do mar e da natureza de forma sustentável.
No primeiro passo, segundo a professora, que tem ao lado as alunas Isabele Pavan e Débora Barbosa, a IA analisa grandes bancos de dados biológicos em busca de alvos moleculares que podem ser úteis no desenvolvimento de remédios.
Esses resultados, explica Débora, são depois integrados a estudos que mostram como as proteínas interagem no organismo, ajudando a entender melhor os processos envolvidos em várias doenças.
Além disso, o grupo vem utilizando programas de bioinformática para simular como moléculas podem interagir com alvos no organismo, prever possíveis efeitos colaterais e avaliar se candidatos a novos fármacos têm chances de sucesso.
Processo é de custo elevado
Para que um medicamento seja produzido, além do tempo prolongado, o processo também tem custo elevado.
“O processo é de altíssimo custo, podendo atingir a casa de bilhões de dólares, sem a certeza final de que um novo medicamento vai chegar à comercialização, pois ele pode apresentar problemas durante o seu desenvolvimento (ausência de eficácia e/ou segurança) e não ser aprovado para comercialização”, esclarece a CEO do Cedoes, Centro de Pesquisa Clínica, Irani Francischetto.
Em média, segundo Irani, apenas 12% dos medicamentos em desenvolvimento serão aprovados para comercialização. “Muito investimento e tempo são desperdiçados no meio do caminho”.
“A pandemia de covid expôs o quanto precisamos ser mais ágeis e eficientes na descoberta de novos antimicrobianos e vacinas para contenção de novos agentes infecciosos emergentes”.
Com a Inteligência Artificial, a neurologista e pesquisadora Alyne Mendonça aponta que os testes de triagem virtual podem substituir os testes de laboratório, que são “expressivamente mais caros”.
“Além disso, a identificação de alvos terapêuticos por IA pode direcionar recursos de maneira mais produtiva, reduzindo os custos envolvidos e os valores dos produtos”.
A IA, aponta a pós- doutora Débora Dummer Meira, também tem sido usada para reaproveitar medicamentos já existentes, descobrindo novas aplicações para eles, uma estratégia conhecida como “reposicionamento de fármacos”.
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