CPI do INSS: pedidas ações contra “farra do consignado”
Depoimento indica que fraudes começaram com empréstimos, e especialistas cobram novas medidas para impedir os prejuízos

As fraudes com descontos indevidos nos benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não são apenas com valores em favor de associações. Depoimentos dados na CPI mista no Congresso sobre o tema indicam que o problema começou com a “farra do consignado”.
Acontece quando aposentados recebem empréstimos que jamais solicitaram, com desconto da mensalidade em folha. O problema persiste, mesmo após operação da Polícia Federal. E especialistas cobram mais ações para punir envolvidos e impedir novas fraudes.
Coordenadora-adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) no Espírito Santo, Maria Regina Couto Uliana relata que, nos últimos anos, o INSS e o governo adotaram medidas para coibir fraudes no consignados, como a suspensão temporária de novas contratações, reforço no sistema de autenticação biométrica e convênio com a Febraban para ampliar mecanismos de segurança.
“Mas, ainda assim, esses esforços não têm sido suficientes. Falta uma política nacional mais firme e coordenada. É preciso restringir o assédio comercial e reforçar o atendimento presencial e digital seguros”.
Coordenador da Comissão dos Direitos do Consumidor da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Antônio Carlos Cintra defende a criação de lei nacional que proíba a contratação de consignados de forma digital para idosos, exigindo que elas estejam presencialmente na contratação.
O advogado Guilherme Machado diz que outra saída seria o uso de biometria facial ou de assinatura eletrônica avançada. “Também já há iniciativas estaduais para proibir ligações sobre empréstimos, mas falta normatização federal clara, e que inclua mensagens ou redes sociais”, afirma.
Para o economista Eduardo Araújo, há medidas ainda como proibir ligações de oferta ativa de crédito, exigir autenticação biométrica, criar mecanismos de 'não perturbe' e restringir a liberação a canais oficiais mais seguros.
“Talvez a medida mais rígida fosse simplesmente limitar ou mesmo proibir a oferta ativa desse tipo de empréstimo. Muitas pessoas supervalorizam benefícios imediatos e subestimam custos futuros, ficando vulneráveis a decisões que comprometem seu bem-estar”.
A advogada Edilamara Rangel relata que a preocupação também deve existir para o consignado CLT. Ela conta que já há relatos de fraudes na modalidade. “É importante que o trabalhador celetista também passe a conferir seu contracheque para ficar atento a eventuais descontos desconhecidos”.
Saiba mais
Fraudes
O advogado Eli Cohen, que fez denúncias sobre fraudes no INSS, afirma que desvios acontecem desde 2005 e envolviam “outros Carecas”, se referindo a Antônio Carlos Camilo Antunes, apontado pela Polícia Federal como lobista que intermediava a relação de associações que desviavam dinheiro de aposentados e o INSS.
Investigações indicam que as organizações por trás das fraudes poderiam ter desviado cerca de R$ 6,3 bilhões, entre 2019 e 2024. O governo estima que 9 milhões de segurados do INSS foram vítimas do esquema.
Em audiência na CPMI do Senado sobre o tema, Cohen disse que suas afirmações se baseiam em informações coletadas em anos de investigações sobre o caso.
Segundo o advogado, ele já havia feito denúncias ao Ministério Público de São Paulo sobre o tema desde 2023, nunca levadas adiante.
Cohen afirmou que o esquema de desvios não era somente por meio de associações que ofereciam benefícios a aposentados, mas também por meio de uma série de empréstimos consignados que eram desviados diretamente da conta desses pensionistas, sem autorização.
Segundo o advogado, uma medida feita pelo governo federal em 2005 acabou por ampliar o acesso de aposentados a linhas de empréstimos consignados e foi o ponto de partida para as fraudes.
O que já foi feito?
Em abril deste ano, a PF e a CGU (Controladoria-Geral da União) deflagraram uma operação contra um esquema que teria desviado pelo menos R$ 6,3 bilhões, entre 2019 e 2024, por meio de descontos não autorizados de beneficiários do órgão.
As novas contratações de empréstimos consignados chegaram a ser suspensas temporariamente neste ano, por conta do escândalo.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) afirmam o volume de reclamações sobre fraudes no consignado recuou desde a implementação da confirmação por biometria facial, em 2022.
A Febraban também firmou parceria com o governo federal para criar uma frente única de combate às fraudes do consignado.
Medidas sugeridas pelos especialistas
1. Restringir o assédio comercial
Proibir que bancos e correspondentes façam ligações oferecendo crédito ao aposentado ou pensionista, medida já debatida no Congresso.
2. Reforçar atendimento seguro
Os empréstimos poderiam ser autorizados somente mediante validação biométrica ou em canais oficiais do INSS, evitando intermediações.
3. Proibição de empréstimo digital para idosos
O coordenador da Anadep, Antônio Carlos Cintra, e outros especialistas defendem a criação de uma lei nacional que proíba a contratação de empréstimos consignados digitalmente para pessoas idosas, exigindo a presença física no momento da contratação. Esse tipo de norma já é adotado em estados como Santa Catarina e Paraíba.
4. Aumento de punições
Delegados e entidades de defesa do consumidor alertam que a punição para estelionato ainda é branda demais e sugerem endurecê-la.
5. Algoritmos para detectar movimentações suspeitas
Ione Amorim, do Idec, propõe que os bancos possam usar seus próprios algoritmos — aqueles que já sugerem produtos aos consumidores — para identificar transações atípicas e alertar os clientes antes que uma fraude se consolide
6. Adoção de autenticação presencial obrigatória
Especialistas pregam que a presença física ou mecanismos de autenticação mais robustos (como biometria presencial, vídeos, certificações digitais) sejam mandatórios em contratações, evitando que golpes sejam feitos à distância, muitas vezes com uso de engenharia social ou falsificação de documentos.
7. Educação financeira e prevenção fortalecida
Há quem defenda que programas de educação financeira sejam incorporados, inclusive no treinamento de servidores públicos ou aposentados, ajudando a reduzir a vulnerabilidade.
Já foram citadas iniciativas como incluir no currículo de formação de agentes de segurança cursos de inteligência financeira, renegociação de dívidas e planejamento financeiro.
8. Regulação mais rígida dos correspondentes
A atuação de correspondentes ainda é vista como um ponto frágil. Segundo especialistas, é necessário:
Estabelecer políticas internas claras às instituições contratantes;
Determinar que toda regulação seja validada por diretoria da instituição financeira para garantir responsabilidade e controle;
9. Mais bloqueios preventivos
A exemplo de medidas já em curso, como o “Não me Perturbe”, ainda faltam, segundo especialistas, bloqueios automáticos em caso de sinais de risco, como novos benefícios.
A Febraban já propôs um pacote com mecanismos como rastreamento por geolocalização, IP, selfie com detecção de vida, entre outros, mas a aplicação precisa ser ampliada.
Fontes: Jornais O Globo, Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo e Portal G1.
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