Julgamento da trama golpista: advogados tentam afastar generais de Bolsonaro
A defesa do ex-ministro Paulo Nogueira chegou a dizer que seu cliente tentou demover o ex-presidente de qualquer ato golpista

A defesa de dois generais buscou ontem, no Supremo Tribunal Federal (STF), afastar seus clientes de ligação com ações antidemocráticas atribuídas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
O advogado Andrew Fernandes Farias, que representa o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, afirmou que o militar “não fazia parte dessa organização criminosa” e, por isso, “sofreu ataques virtuais” de apoiadores do bolsonarismo. Disse ainda:
“O general Paulo Sérgio atuou para demover o presidente (Bolsonaro) de caminhar por qualquer medida de exceção. A inocência do general Paulo Sérgio, segundo a delação (de Mauro Cid), o depoimento da principal testemunha de acusação, é manifesta”.
No fim da fala, a ministra Cármen Lúcia questionou: “Por que vossa senhoria – eu copiei aqui cinco vezes – diz que o réu – neste caso, o cliente de vossa senhoria – 'estava atuando para demover o presidente da República'? Demover de quê? Porque até agora todo mundo diz que ninguém pensou nada...”
O advogado respondeu: “Demover de adotar qualquer medida de exceção. Atuou ativamente, e é a prova dos autos”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta Paulo Sérgio como figura central no fim do governo Bolsonaro. Segundo a denúncia, ele teria apresentado uma minuta de decreto golpista em reunião com os comandantes das Forças Armadas, em 14 de dezembro de 2022, e alimentado a narrativa de fraude ao divulgar nota do Ministério da Defesa contra o sistema eletrônico de votação.
O advogado Matheus Milanez, que representa o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), afirmou que o militar se afastou do governo na segunda metade do mandato, com a ascensão do Centrão no Palácio do Planalto, e não participou de reuniões de Bolsonaro com a cúpula das Forças Armadas.
“Quando Bolsonaro se aproxima do Centrão e tem sua filiação ao PL, inicia-se um afastamento da cúpula do poder Advogado de Augusto Heleno,
Sobre o papel de consultor atribuído a Heleno, Milanez disse que ele se opunha à política tradicional:
“Heleno era a favor de políticos não de carreira, mas de pessoas que se destacassem pelo seu interesse na defesa nacional. Por esse posicionamento dele, quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos ditos do Centrão, e tem sua filiação ao PL, inicia-se, sim, uma fase de afastamento da cúpula do poder. Ele perdeu influência”.
Defesa do ex-presidente questiona prazos no STF
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro criticou a falta de tempo para analisar as provas do processo e a prática de “document dump”, alegando ter recebido mais de 70 terabytes de dados às vésperas do interrogatório.
O advogado Celso Vilardi disse que não houve “paridade de armas” entre defesa, Ministério Público e Polícia Federal.
O advogado Paulo Cunha Bueno sustentou que Bolsonaro discutiu, mas não iniciou protocolos para decretação de estado de defesa ou de sítio, ressaltando que não deu “comandos” para golpe e que não se pode punir “atos preparatórios”.
Nas alegações finais, a defesa já havia afirmado que nenhuma medida foi assinada por ele. A Procuradoria-Geral da República, no entanto, considera que a reunião em que Bolsonaro apresentou minuta de teor golpista a militares não foi ato preparatório, mas “processo criminoso em curso”.
Segundo o delator Mauro Cid, Bolsonaro recebeu, leu e editou o documento, encontrado depois pela Polícia Federal em seu celular e na sede do PL.
A defesa atacou a delação de Cid, chamou-a de “mentirosa” e negou relação do ex-presidente com os planos “Punhal Verde e Amarelo” e “Operação Luneta”, que previam assassinatos e prisões de autoridades.
“O presidente não atentou contra o Estado Democrático de Direito. Não tem absolutamente nada a ver com o 8 de Janeiro”, disse Vilardi, afirmando que Bolsonaro “foi dragado para esses fatos”.
O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) afirmou nas redes sociais que o pai enfrenta uma “saúde cada vez mais debilitada”. Carlos pediu “humanidade”, afirmando que a situação não é “questão de direita ou esquerda, mas de humanidade”.
Os detalhes
Trama golpista em julgamento no STF
Quais as acusações?
Dano qualificado pela violência e grave ameaça (4 a 12 anos de prisão); tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (de 4 a 8 anos); deteriorização de patrimônio tombado (de 1 a 3 anos); golpe de Estado (de 4 a 12 anos de prisão); organização criminosa armada (de 3 a 8 anos de prisão, podendo chegar a até 17 anos com os agravantes).
Cabe à 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a análise do processo. Além do relator Alexandre de Moraes, fazem parte do colegiado os ministros Luiz Fux, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Os ministros podem concluir pela absolvição ou condenação de um ou mais réus. Se houver absolvição, o processo é arquivado; se houver condenação, os ministros vão decidir a pena a ser fixada para cada réu.
Quem são os réus?
Jair Bolsonaro; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e deputado federal; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro da GSI; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; Walter Braga Neto, ex-ministro; e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Quanto volta o julgamento
Nas próximas terça e quarta, os ministros dão os votos. No dia 12 próximo, a sentença será dada.
Argumentos apresentados ontem
Heleno
afastamento e perda de influência: a defesa alegou que o ex-ministro se afastou de Jair Bolsonaro e que, por isso, perdeu influência na reta final do governo, em meio à aproximação do Centrão com a gestão anterior. A defesa enfatizou que Heleno não participou de nenhuma reunião do ex-presidente com a cúpula militar e negou qualquer participação dele na trama golpista.
Bolsonaro
protocolos nunca acionados: a equipe do ex-presidente apontou cerceamento de defesa. Criticou o prazo para analisar as provas e disse que faltou paridade de armas com a acusação. E defendeu que não houve ato concreto ou comando para viabilizar decretos que previam estado de defesa ou de sítio. As discussões não teriam passado de conjecturas.
Nogueira
posição contrária a medidas: A defesa afirmou que o ex-ministro da Defesa atuou para dissuadir Bolsonaro de medidas de exceção e aconselhou o reconhecimento do resultado das eleições de 2022. O advogado também disse que o general “não fazia parte dessa organização criminosa” e, por isso, “sofreu ataques virtuais” de membros do bolsonarismo.
Braga Netto
vícios na delação de Cid: O advogado José Luís Oliveira Lima criticou o prazo para acesso a provas e a decisão de Moraes de não permitir a gravação da acareação entre seu cliente e Mauro Cid. A defesa pediu a anulação da delação do ex-ajudante de ordens, citando vícios, como a ausência do Ministério Público na negociação do acordo, e as mudanças de versão de Cid sobre uma reunião na casa do general.
Resumo do 1º dia de julgamento
Mauro Cid: Defesa sustentou validade da delação premiada, negou coação e afirmou que Cid não conhecia o Plano Punhal Verde e Amarelo.
Alexandre Ramagem: Defesa disse que o deputado e ex-chefe da Abin não orientou Bolsonaro em ações antidemocráticas e que documento apreendido era um compilado de críticas já emitidas pelo ex-presidente.
Almir Garnier: Defesa afirmou que a reunião citada na denúncia, em que o ex-comandante da Marinha teria colocado tropas à disposição do plano em 7 de dezembro de 2022, “nunca existiu” e defendeu a rescisão da delação de Mauro Cid.
Anderson Torres: Defesa disse que o documento encontrado em sua casa, prevendo estado de defesa no TSE e criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral”, teve peso descomunal, já circulava na internet e negou envolvimento da PRF contra a lisura do pleito de 2022.
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