Capixaba conta como sobreviveu 467 dias na guerra da Ucrânia
O empresário Vinicio Justiniano, de Nova Venécia, afirma que foi movido pelo desejo de ajudar o povo local após a invasão russa

Uma viagem de dias, que percorre várias cidades, em países diferentes, até chegar a um caminho que pode levar à morte, principalmente, se o combatente não tiver preparo.
A segunda reportagem sobre capixabas na Ucrânia traz o alerta feito pelo empresário e atirador esportivo Vinicio Justiniano Faria, de 37 anos, de Nova Venécia, Noroeste do Estado, que lutou na guerra na Ucrânia por 467 dias.
A Tribuna conversou com o empresário um dia depois da estoquista Bethânia Paula da Silva, 46 anos, relatar que o filho, o técnico em enfermagem Bruno de Paula Carvalho Fernandes, 29 anos, foi morto segunda-feira (01), em uma emboscada com drones na linha de frente da guerra na Ucrânia.
Natural de Barra de São Francisco, no Noroeste do Estado, Bruno teria ido para a guerra a partir de contatos em grupos de redes sociais.
O conflito entre o país e a Rússia começou em fevereiro de 2022, quando tropas russas invadiram localidades próximas à capital Kiev.
Vinicio diz que foi ao país movido pela vontade de ajudar o povo da Ucrânia. “Fui com a intenção de ajudar o país, o povo. Eu não iria aguentar, sabendo que poderia ajudar, e não ter ido por medo”.
Vinicio conta que foi convidado por um oficial da Força Aérea do Uruguai, em 2023, para lutar na Ucrânia, quando estava em treinamento no país sul-americano.
“Se a pessoa chega lá e não tem experiência militar, o exército ucraniano não aceita, ela não consegue entrar no país. Mas há grupos que pegam pessoas sem experiência, inventam um currículo para ela e apresentam para a Ucrânia”, afirmou.
Ele conta que pagou a própria passagem e lutou seis meses sem receber por isso. “Depois desse tempo, fui promovido a sargento do Batalhão de Inteligência (GUR), que fica em Kiev. Passei a receber um salário de US$ 5 mil (R$ 27.239,50) e a comandar uma equipe de 33 pessoas, sendo seis brasileiros. Mas não vale a pena, a vida da gente vale muito mais”.
Já Bethânia contou, na tarde de quinta-feira (03), que a nora recebeu um comunicado da Ucrânia, informando que não é possível resgatar o corpo de Bruno. “Gostaríamos de uma orientação do Itamaraty para, pelo menos, ter os restos mortais do meu filho de volta”.
“Conflito é desproporcional”
A Tribuna - Como chegou à guerra na Ucrânia?
Vinicio Justiniano - Faria Sou empresário, meu pai é empresário, criamos gado. Eu me tornei atirador esportivo, fui campeão estadual e interestadual, treinei na Polônia, depois fui para a Alemanha, Chile e estava em treinamento no Uruguai, quando um major da Força Aérea daquele país me convidou para lutar na Ucrânia.
Por que aceitou?
Eles precisam de ajuda. É uma guerra desproporcional, em termos, inclusive, de tecnologia. Fui para ajudar o país, o povo.
Contou para sua família?
Quando voltei do Uruguai, passei três dias em casa. Já estava com a passagem comprada para a Ucrânia e contei para a minha esposa que eu iria. Eu não iria aguentar, sabendo que poderia ajudar, e não ter ido por medo.
Foi como voluntário?
Sim, paguei minha própria passagem e fiquei por seis meses sem receber nada, até ser promovido a sargento. Minha mulher enviava dinheiro até para eu pagar alimentos, às vezes. Até que fui promovido e comecei a receber salário.
Como é a entrada no país?
Minha viagem foi do Espírito Santo, passando por São Paulo, França, Varsóvia (Polônia), até a chegada, que é pela cidade de alistamento, Ternopil. Se a pessoa não tiver como comprovar experiência militar, ela não consegue entrar.
O senhor foi direto para o combate?
O normal é ficar numa base, onde o soldado tem um curso de sobrevivência, sobre o que fazer se for ferido e como socorrer um colega. Fui para a trincheira. Durante o período que passei na guerra, tomei dois tiros. Perdi vários amigos.
Com 10 dias que estava lá, sem nem sequer pegar em uma arma, tomei um tiro, que pegou no colete balístico. Com sete meses, fui novamente atingido, o colete amorteceu, mas tomei um tiro que acertou minha costela e precisei ficar hospitalizado, até me recuperar.
Pensa em voltar à Ucrânia?
Estou “entre a cruz e a espada”. Por mim, já teria voltado, mas a relação com a família está pesando. Minha esposa e minha filha pedem para eu não voltar para a guerra.
Hoje, na guerra, quase não há mais confronto pessoal: é drone e artilharia. O conflito está diferente de quando começou.
Cuidado com recrutadores em redes sociais

O empresário e atirador esportivo Vinicio Justiniano Faria, de 37 anos, que lutou na guerra na Ucrânia, alerta para a ação de recrutadores.
Segundo ele, esses grupos falam para os futuros combatentes que eles vão permanecer um ano no país e que não irão para a linha de frente do conflito, o que, geralmente, só acontece com profissionais da área da saúde.
“Muitos têm a mente fraca ou a necessidade financeira. Eu conheci pessoas assim, que foram para ajudar a família”, disse Vinicio.
O empresário aconselha a não embarcar por meio de intermediários. “Para quem quer ir, aconselho a procurar um batalhão ucraniano e não recrutadores em redes sociais, que acabam levando as pessoas para a morte”, afirmou.
Vinicio afirmou ainda que os recrutadores chegam a cobrar R$ 5 mil de quem se dispõe a ir para guerra na Ucrânia, além da passagem, que só a ida tem o valor em torno de R$ 11 mil.
Uso de drones “camicase” tem matado mais na região
Os conflitos que, no início da guerra entre Rússia e Ucrânia eram diretos, no “homem a homem”, com o passar do tempo, se tornaram uma “guerra tecnológica”. Com drones que levam granadas e atiram, além dos chamados drones “camicase”, que caem em cima das tropas, os combates se tornaram muito mais mortais.
“Tenho relato de amigos que hoje você lida com o que é eletrônico, drones a mais de mil metros de altura e que disparam, além dos drones 'camicase' em que quando a pessoa ouve o barulho, tem três segundos até a explosão. Não tem como se defender”, afirmou.
Vinicio contou que passou fome, frio e ficou dias sem conseguir tomar banho, além de enfrentar temperaturas baixíssimas.
“Quando saí de lá a temperatura estava a 25ºC negativos”, contou o empresário.
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