As migalhas
De lâmpadas centenárias a celulares descartáveis: a queda da durabilidade e o desafio dos direitos do consumidor
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Começo estas linhas voltando mais de um século no tempo, mais precisamente a 1901. Nesse ano, na cidade de Livermore (California, EUA), ligaram uma lâmpada no quartel do Corpo de Bombeiros. Acredite: a lâmpada está acesa até hoje, passados já 124 anos!
No Reino Unido, mais precisamente na cidade de Timperley, um feliz consumidor exibe seu potente aspirador de pó fabricado em 1904. Parece inacreditável, mas o dito cujo tem funcionado, e bem, nos últimos 121 anos.
Ainda naquele país, em Marchmont, uma simpática senhora exibe, orgulhosa, sua geladeira Frigidaire adquirida em 1936. Ela funciona ininterruptamente desde aquele ano, e apenas precisou de uma leve manutenção há três décadas.
Seu computador quebrou? Então pense no FACOM 128B, construído em 1958, e que até hoje funciona perfeitamente. Esse prodígio está localizado lá no Japão, no Ikeda Memorial Hall.
Por falar em informática e tecnologia, no Reino Unido um robô construído em 1950 ainda funciona impecavelmente. Controlado remotamente, ele ainda anda e balbucia algumas palavras, alimentando-se apenas de duas baterias e algumas gotas de óleo.
O espécime seguinte também vem daquele país. Trata-se de uma televisão fabricada no distante ano de 1936, uma Marconi tipo 702. Funcionando sem parar há 89 anos, ela teve apenas 30% de suas peças substituídas ao longo de todo esse tempo.
Do outro lado do Oceano Atlântico, nos EUA, um semáforo funciona sem parar desde 1932. Trata-se de um modelo instalado na cidade de Asville, Ohio. Em 1982 ele foi retirado da rua, dado o receio de que pudesse ser objeto de furto, e instalado no museu da cidade, onde controla o trânsito interno. Em resumo, ele está operando há 93 anos!
Pois é. E o tempo passou. Chegamos aos dias de hoje, nos quais a vida útil de um simples ferro de passar fica entre dois e três anos. O ciclo de vida útil da maioria das geladeiras modernas se situa entre três e seis anos, e apenas as melhores conseguem chegar aos 19 anos. A vida útil média de um computador, em países desenvolvidos, diminuiu de seis anos, em 1997, para apenas dois anos, em 2005. Os telefones celulares, atualmente, têm uma vida útil média de menos de dois anos.
Assim, uma conclusão se impõe: passamos todos a conviver com um novo tipo de mercado. Logo, seria de se esperar que existisse, paralelamente, um igualmente novo sistema de amparo ao consumidor – e eis aí algo simplesmente lógico! Curiosamente, no entanto, não é o que se vê.
Vamos às consequências desse quadro: 89% dos consumidores brasileiros estão descontentes com os setores de atendimento a clientes e 59% disseram não suportar mais a baixa qualidade dos produtos e serviços.
É contemplando essa realidade que fico a pensar nas migalhas, digo, penas pecuniárias a serem desembolsadas por empresas poderosas, após terem lesado consumidores de forma abusiva. Produzem algum efeito prático? Induzem alguma mudança de postura?
Aliás, será que os direitos do consumidor são realmente uma prioridade neste país tão globalizado?
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