Estudo da Fiocruz relata caso raro de inflamação cerebral causado por zika
Caso analisado é o de uma jovem de 21 anos, previamente saudável, que apresentou febre, erupção cutânea e dores articulares
Um estudo publicado na revista científica Viruses descreve um caso raro de romboencefalite (inflamação do tronco encefálico) associada à infecção pelo vírus zika. É o primeiro registro no Brasil.
Conduzida por pesquisadores da Fiocruz Bahia, a pesquisa reforça a importância da vigilância, diagnóstico e pesquisa clínica para compreender toda a extensão das sequelas causadas pelo vírus.
Além da síndrome congênita do zika que afeta bebês, caracterizada por microcefalia e outras malformações cerebrais, o vírus tem sido associado a diversas complicações neurológicas, como a síndrome de Guillain-Barré.
Agora, o novo estudo revela que ele também pode causar uma forma ainda mais incomum e potencialmente grave de inflamação cerebral. O caso analisado é o de uma jovem de 21 anos, previamente saudável, que apresentou febre, erupção cutânea e dores articulares —sintomas típicos de infecções virais.
Uma semana depois, ela evoluiu para um quadro de confusão mental, dificuldades na fala, alterações motoras e convulsões.
A infecção por zika foi confirmada por sorologia (Elisa IgM) e teste de neutralização por redução de placas (PRNT).
A paciente foi tratada com corticosteroides e antiepilépticos e apresentou melhora após 25 dias de internação. Está recuperada, segue vida normal, mas tem queixas de dor de cabeça e lapsos de memória, que podem estar associadas ou não à inflamação cerebral.
Segundo o neurologista Mateus Santana do Rosário, doutorando da Fiocruz-Bahia e autor principal do estudo, há várias hipóteses de como o vírus zika pode causar a inflamação. Uma das principais é que ele atinja o sistema nervoso central diretamente, causando uma lesão no tecido neuronal.
A outra é de que as citocinas inflamatórias, que são substâncias produzidas pelo sistema imune devido ao vírus, causem esse problema. Outra suposição é que o sistema imune, reconhecendo o vírus, possa produzir anticorpos.
"Às vezes, o vírus tem alguma estrutura que pode se parecer com alguma estrutura do sistema nervoso e aí há uma reação que a gente chama de reatividade cruzada e isso também pode levar ao desencadeamento de inflamação do sistema nervoso."
De acordo com ele, a principal maneira de fazer o diagnóstico é a partir das manifestações clínicas, como febre, confusão mental, desorientação, crise convulsiva e fraqueza de um lado ou do outro do corpo.
Há também manifestações específicas no sistema nervoso, com movimentação nos nervos cranianos, com repercussão nos olhos, na face, na garganta e na deglutição.
Exames como tomografia e ressonância magnética podem identificar a inflamação, mas isso não ocorre em todos os casos. O exame do líquor também consegue detectar aumento de células inflamatórias ou aumento de proteínas.
Segundo o neurologista, o relato é importante para que os profissionais de saúde estejam atentos quando atenderem casos de encefalite, que também podem ser provocados por doenças autoimunes. "A gente devem pensar nos vírus que, por ventura, estejam circulando no Brasil."
Para a professora Isadora Siqueira, coordenadora do estudo, o achado reforça a necessidade de incluir o zika no diagnóstico diferencial de encefalites, especialmente em regiões endêmicas como o Brasil.
"O trabalho amplia o conhecimento sobre os efeitos neurológicos do vírus e alerta para a importância da vigilância clínica e de estratégias diagnósticas mais eficazes", afirma.
O estudo destaca também a relevância dos testes sorológicos, já que exames moleculares podem ter resultado negativo quando a carga viral é baixa_o que ocorre com frequência em casos neurológicos.
Embora o país não registre surtos expressivos desde 2016, o zika permanece em circulação silenciosa. Neste ano, até meados de setembro, foram registrados 3.874 casos prováveis; no ano passado, as notificações somaram 5.115, segundo o painel de arboviroses do Ministério da Saúde.
Mas há muita subnotificação. Como geralmente a pessoa infectada apresenta um quadro mais leve, ela trata os sintomas em casa. Ou, quando procura um profissional da saúde, não faz o teste. Com isso, possíveis casos ficam sem diagnóstico e não entram para a contagem oficial do país.
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