Da obesidade ao bem-estar: capixabas relatam mudanças de vida após a bariátrica
Somente no Espírito Santo, cerca de 3 mil pessoas fizeram a cirurgia em 2024
No auge dos seus 35 anos, pesando 120 kg, a universitária Munick Lameri Marques Cruz não conseguia fazer tarefas que podem parecer simples, como sentar no chão e brincar com o filho. Com obesidade mórbida e pré-diabetes, ela ouviu de seu médico uma verdade dura e, muitas vezes, difícil de ser encarada: a obesidade poderia custar sua vida.
“Ele me disse que ainda podia me locomover, aparentava estar bem, mas, pelos meus exames, se eu não emagrecesse, não veria meu filho crescer. A bariátrica era uma saída, um instrumento que poderia me ajudar”, conta.

Excesso de azia e inflamações pelo corpo também eram sintomas que a universitária chegou a apresentar. “Eu comecei a engordar muito após ter tido meu filho. Fui parar no manequim 56, com apenas 1,59m de altura. Sentava na cadeira com medo de ela quebrar. Tinha tentado dietas, mas não tinha forças para continuar. Até a atividade física me cansava”.
Munick, hoje com 37 anos e 54 kg, chegou a recorrer às canetas antiobesidade, mas não teve sucesso com o tratamento. “Vi que a bariátrica era um instrumento necessário, porque percebi que estava perdendo os melhores momentos da minha vida. Não conseguia brincar com meu filho Eduardo (hoje com 9 anos), não ia à praia e não socializava mais. As pessoas me chamavam para sair e eu dava milhões de desculpas. Eu tinha poucas peças de roupa”, lembra.
Ela relembra até o fato de não poder escolher roupas para comprar. “Eu ia às lojas e tinha que comprar apenas o que dava. É lógico que a gente pensa na saúde, mas não ter qualidade de vida para sair com meu filho e meu marido me abalava muito também”.
Há dois anos, ela passou pela cirurgia bariátrica e agora vive uma nova realidade. “A bariátrica foi um instrumento de emagrecimento que me fez virar uma ‘chavinha’, porque eu me agarrei no efeito positivo de emagrecimento, a chamada ‘lua de mel’, durante 1 ano e meio, e mudei por completo meu estilo de vida. Aprendi a lidar com a minha mente, o ponto-chave para o emagrecimento. Hoje eu amo musculação, atividade física, além de ter acompanhamento nutricional. Sem dúvidas, a bariátrica foi a minha melhor escolha, ela me salvou!”, afirma.
“A obesidade nos tira muita coisa. Às vezes, ela ainda me assombra. Mas eu digo para quem tem dúvidas se deve ou não fazer a cirurgia: a bariátrica nos tira de dentro de uma cova. Claro que ela não faz nada sozinha, não estou banalizando a cirurgia, mas ela nos dá um empurrão para retomar o cuidado com a vida”, declara Munick.
Vanessa Carvalho, de 33 anos, passou por situação semelhante. Com 110 kg, aos 29 anos, ela não conseguia, por exemplo, dar banho na filha. Refluxo e colesterol alto eram alguns dos problemas que ela convivia devido ao excesso de peso, além de hérnias na coluna.

“Após a cirurgia bariátrica, minha vida mudou completamente. A dor e o refluxo desapareceram, e hoje tenho mais disposição para as atividades do dia a dia. Perdi o peso que me limitava, e agora tenho uma relação mais saudável com a comida", contou.
Atualmente, Vanessa está com 59 kg: "Se me perguntam se me arrependo da cirurgia, minha resposta é sempre a mesma: só me arrependo de não ter feito antes. Foi a melhor escolha que fiz para minha saúde e bem-estar. A bariátrica não foi uma solução mágica, mas uma ferramenta poderosa que me deu a chance de recomeçar”, afirma.
Confira abaixo trechos da entrevista de Munick e Vanessa dada à reportagem:
Mais de 130 mil capixabas estão obesos, mas apenas 3 mil bariátricas são feitas por ano
A realidade enfrentada por Munick e Vanessa é similar a de mais de 130 mil capixabas. Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), em 2024, foram acompanhados 130.724 indivíduos adultos com obesidade (dados preliminares), conforme relatórios públicos do estado nutricional, fornecidos pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Em 2023, esse número era de 112.401 adultos com obesidade.
O número pode ser ainda maior, já que dados do Atlas Mundial da Obesidade 2025 (World Obesity Atlas 2024), da Federação Mundial da Obesidade (World Obesity Federation – WOF), apontam que, no Brasil, 68% da população têm excesso de peso e, dessas, 31% tem obesidade e 37% têm sobrepeso, números que estão em crescimento.
Justamente um dos principais tratamentos para a obesidade - com efeito duradouro -, a cirurgia bariátrica é realizada, em média, em 3 mil pacientes por ano no Espírito Santo. A estimativa, baseada em 2024, é do diretor nacional de relações governamentais da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e presidente do capítulo estadual da SBCBM -ES, o cirurgião do aparelho digestivo Gustavo Peixoto.
“A demanda pela cirurgia bariátrica é muito maior do que a capacidade que os sistemas de saúde têm para ofertar. Temos cerca de 5 milhões de brasileiros que têm indicação de realizar a bariátrica, mas o Brasil faz 100 mil cirurgias por ano. Só para operar esses 5 milhões, levaríamos anos”, explicou.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), menos de 1% da população brasileira com indicação para o procedimento consegue ter acesso à cirurgia no País.
Segundo levantamento da SBCBM, entre 2020 e 2024, o Brasil realizou 291.731 bariátricas, sendo 260.380 cirurgias, conforme dados da Agência Nacional de Saúde (ANS), por meio dos planos de saúde; e 31.351 procedimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Em 2025, o SUS realizou 6.393 cirurgias bariátricas no Brasil, de janeiro a junho, de acordo com as informações do Datasus. Pelos planos de saúde, a ANS informou que foram realizados, em 2025, entre janeiro e maio, 13.964 procedimentos ambulatoriais e hospitalares.
Gustavo Peixoto ressalta que a cirurgia é cada vez mais segura. “A mortalidade, que no passado era de cerca de 1%, hoje caiu para 0,25% em serviços de excelência. Ou seja, uma cirurgia bariátrica é mais segura do que uma cirurgia de vesícula, por exemplo”, destacou Peixoto.
Além do controle de peso, o médico explica que, com o procedimento, é possível controlar a hipertensão arterial, diabetes e apneia do sono, e também diminuir o risco de câncer, infarto e AVC, além de aumentar a expectativa de vida.
A cirurgiã geral Diandria Bertollo destaca que a cirurgia não é um procedimento estético, apesar de trazer benefícios relacionados à estética. “A bariátrica é uma intervenção com impactos multifatoriais no paciente, envolvendo alterações fisiológicas, metabólicas e redução de comorbidades”.
O cirurgião Roger Bongestab, membro da SBCBM e nutrólogo, compara, como um colega médico lhe ensinou, que o centro cirúrgico deve ser considerado, para o paciente bariátrico, uma oficina mecânica e nunca um salão de beleza.
“Fazemos alterações mecânicas no funcionamento do trato digestivo, que ocasionam a melhor metabolização de nutrientes, aumentando também a expectativa de vida do paciente e melhorando sua qualidade de vida”.
Cirurgia x medicamento
Estudos apontam, segundo o diretor nacional de relações governamentais da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e presidente do capítulo estadual da SBCBM -ES, o cirurgião do aparelho digestivo Gustavo Peixoto, que a cirurgia bariátrica "é mais eficiente do que qualquer medicamento, mas eles não concorrem, e sim se somam na luta contra a epidemia de obesidade."
“Primeiro por conta do custo (dos medicamentos), que poucos pacientes conseguem sustentar em longo prazo. Também porque sabemos que o paciente que faz o tratamento durante um ou dois anos, depois que para de usar. Um ano após parar, metade desses pacientes volta a engordar novamente. Já os pacientes bariátricos sustentam a perda de peso em longo prazo”, explica Peixoto.
No Brasil, segundo a SBCBM, o custo estimado com os medicamentos injetáveis para emagrecer e controlar o diabetes tipo 2 pode atingir mais de R$ 45 mil em apenas um ano, enquanto a cirurgia bariátrica está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), e também está incluída na cobertura obrigatória dos planos de saúde, tornando-se assim, mais acessível.
Peixoto aponta que, em média, um paciente que fez a cirurgia tem até cinco vezes mais resultados do que aquele paciente que faz uso da medicação. “No quesito eficiência, os estudos comprovam que a cirurgia bariátrica pode resultar em uma perda de até 70% do excesso de peso em 18 meses”, destaca.
“Só que a cirurgia não é para todos. Aqueles casos com obesidade leve são elegíveis para o tratamento medicamentoso. Para o obeso mórbido ou de grau dois com doença associada, a cirurgia é mais eficiente. São tratamentos complementares e não concorrem”, explica o médico.
Confira abaixo mais informações na entrevista com o diretor nacional de relações governamentais da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Gustavo Peixoto:
Saiba mais
Tipos de cirurgia
Hoje, duas técnicas são as mais utilizadas na cirurgia bariátrica:
- O bypass gástrico é a técnica bariátrica mais praticada no Brasil, correspondendo a 75% das cirurgias realizadas. Nessa técnica, é feito o grampeamento de parte do estômago, que reduz o espaço para o alimento, e um desvio do intestino inicial, que promove o aumento de hormônios que dão saciedade e diminuem a fome.
- E Sleeve ou gastrectomia em manga de camisa. Esse procedimento é considerado restritivo e metabólico, e nele o estômago é transformado em um tubo, com capacidade de 80 a 100 mililitros (ml).
Quem pode fazer a cirurgia?
Com as novas regras do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2.429/25, publicadas em 20 de maio de 2025, podem fazer a cirurgia:
- Pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 40, tendo ou não comorbidades;
- Pacientes com IMC acima de 35 e inferior a 40, com doenças associadas, continuam sob os mesmos critérios para submissão à cirurgia;
- Pacientes com IMC entre 30 e 35 passam a ser elegíveis à cirurgia, desde que tenham diabetes tipo 2, doença cardiovascular grave com lesão em órgão alvo, doença renal crônica precoce em decorrência do diabetes tipo 2, apneia do sono grave, doença gordurosa hepática não alcoólica com fibrose, afecções com indicação de transplante, refluxo gastroesofágico com indicação cirúrgica ou osteoartrose grave;
- Pacientes com Diabetes Tipo 2;
- Adolescentes a partir dos 14 anos de idade, nos casos de obesidade grave (IMC maior que 40) associada a complicações clínicas, podem fazer a cirurgia, desde que com a devida avaliação da equipe multidisciplinar e consentimento dos responsáveis;
- Adolescentes entre 16 e 18 anos que estejam enquadrados nos critérios estabelecidos para os adultos passam a ter acesso à cirurgia. Em todos os casos, os responsáveis e a equipe médica devem concordar com o procedimento;
- Pessoas acima de 70 anos.
Fonte: SBCBM
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