Governo quer contratar servidor sem estabilidade, mas com FGTS
O governo federal prepara mudança na lei para contratar pelo regime da CLT. Salários no funcionalismo terão também novidades
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Uma série de medidas está sendo elaborada pelo governo federal para reestruturação do funcionalismo público. Entre elas, está permitir a contratação de profissionais pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, com carteira assinada na administração indireta federal (estatais, autarquias e fundações), em vez de só pelo regime estatutário.
Na prática, seria uma contratação sem estabilidade, mas com direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), segundo regras previstas na CLT.
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Essa medida está em estudo no Ministério da Gestão e da Inovação (MGI), pasta que elabora uma proposta de reforma administrativa do governo Lula a ser apresentada ao Congresso Nacional.
As mudanças atingiriam servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário no âmbito federal.
O secretário extraordinário para a Transformação do Estado, Francisco Gaetani – lotado no MGI –, citou como exemplo hospitais federais do Rio, que poderiam ter mais flexibilidade contratando profissionais pela CLT, sem estabilidade.
Os celetistas, segundo ele, poderiam se somar aos estatutários em órgãos auxiliares dos ministérios (administração direta), como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e outros.
Mas como seria essa seleção? Para o advogado Roberto Buticosky, especialista em Direito Público e do Trabalho, a regra é o preenchimento das vagas por concurso público. “Seria um enorme retrocesso se ocorrer de forma diversa”.
Sobre as áreas que isso poderia ser utilizado, ele explica que a Lei Federal nº 9.962/2000, já disciplina o regime de emprego público do pessoal da administração federal direta, autárquica e fundacional. “Diante disso, acredito que a proposta em estudo pelo governo se estenderá para todas as demais áreas da administração pública”.
O governo federal estuda também diminuir o salário inicial de futuros concursados, com o objetivo de aproximar as remunerações de quem entra no setor privado.
Assim, seriam definidos novos níveis de progressão, permitindo aumentos salariais diferenciados entre categorias para reduzir a desigualdade no serviço público. Por exemplo, carreiras que ganham menos teriam reajustes maiores.
Servidor com carteira
Faz parte do pacote de medidas do governo federal permitir a contratação de trabalhadores pela CLT, com carteira assinada na administração indireta federal (como estatais, autarquias e fundações) e não apenas pelo regime estatutário.
Uma das propostas em análise seria um projeto de lei autorizando a criação de fundações estatais de direito privado, como as que existiam antes de 1988. A Constituição atual jogou todos os servidores no Regime Jurídico Único.
O secretário extraordinário para a Transformação do Estado, Francisco Gaetani , disse que esse regime não é ideal para vários órgãos públicos, em que é melhor que eles funcionem no regime celetista, flexível, para que as organizações sejam capazes de entregar os resultados.
Ele acrescentou que, para isso, basta alterar um decreto-lei (200/1967), sem necessidade de alterar a Constituição.
Regras na CLT
Existem regras sobre o salário-mínimo, as férias, o 13º salário e FGTS. Além disso, há o direito à aposentadoria pela Previdência Social.
No caso dos empregados públicos, eles estão sujeitos às mesmas regras dos trabalhadores da esfera privada. No entanto, é comum que existam Regimes Próprios de Previdência das empresas públicas, excluindo esses empregados do INSS.
Carreiras
O plano para a fusão ou eliminação de carreiras é garantir os direitos dos atuais servidores, criando regras de transição distintas para os que ingressaram no serviço público antes de 1988, entre 1988 e 1995, entre 1995 e 2003, e até 2010.
As regras mexeriam mais com os mais recentes e principalmente com os novos servidores dos concursos autorizados em 2023, que somam cerca de 9 mil vagas. A ideia é fechar um mapa completo das carreiras, até o fim do ano.
De 150 carreiras, a intenção do governo é reduzir em até 30 carreiras.
Muda algo para o Estado e municípios?
Governo do Estado
A Secretaria de Gestão e Recursos Humanos (Seger) esclareceu que a reforma anunciada pelo governo federal não afeta as carreiras do Estado. O governo estadual realizou medida semelhante em 2022, quando adotou a metodologia de cargos amplos e transversais para atender a demanda por força de trabalho da área meio de todos os órgãos e entidades do Executivo Estadual.
“Foram realizadas reestruturações nas carreiras de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Analista do Executivo e Assistente de Gestão, reduzindo de aproximadamente 37 para 3 carreiras de área meio”, informou, por nota.
A Seger informou ainda que no Prodest (autarquia) os servidores são celetistas, bem como na Inova, Fundação de Direito Público Privado que atua na área da Saúde.
Prefeitura de Vitória
O município informou que a proposta de redução do número de carreiras é do governo federal e refere-se à reforma administrativa que será enviada ao Congresso.
“Por ser uma reforma administrativa do governo federal não afetaria diretamente as carreiras que compõem o governo do Estado e os municípios, que teriam que propor sua própria reforma administrativa. É necessário a aprovação da reforma administrativa do governo federal para que os demais entes avaliem a adequação as suas estruturas”.
Fonte: Agência Globo, governo do Estado e Prefeitura de Vitória
Redução no número de carreiras
Outra proposta em estudo pelo governo federal é enxugar o número de carreiras do serviço público federal. Atualmente há cerca de 150 carreiras – que englobam cargos como os de auditores fiscais, policiais federais, gestores e analistas de políticas públicas. A proposta é que esse quantitativo caia para 20 ou 30.
Segundo o secretário extraordinário de Transformação do Estado, Francisco Gaetani, ficam de fora dessa redução os juízes e procuradores, considerados membros de Poder, além das carreiras já organizadas, como as das Forças Armadas e os diplomatas do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty).
No pacote da chamada Reforma Administrativa, constam outras propostas. Sobre a questão do salário, ainda pelo regime da CLT, há questionamentos quanto ao vínculo, entre os quais se o servidor celetista poderia ficar muito tempo ou essa permanência seria limitada.
O advogado Roberto Buticosky, especialista em Direito Público e do Trabalho, acredita que a extensão do vínculo ficaria a critério da discricionariedade da administração pública, o que no seu entendimento seria um retrocesso.
“Melhor seria se o contrato de trabalho por prazo indeterminado somente pudesse ser rescindido por ato unilateral da administração pública nas seguintes hipóteses: prática de falta grave; acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa; insuficiência de desempenho, entre outras hipóteses, como já estabelecido pela Lei Federal n. 9.962/2000”.
Análise
"Funcionalismo público carece de modernização"
“A carreira pública carece de modernização em alguns pontos, mas precisa manter princípios administrativos, burocráticos, que são importantes para se cumpra o efetivo serviço público e para que se evite desvios e corrupção.
A estabilidade na carreira também é importante para que esses servidores exerçam as suas funções de maneira autônoma, sem correrem riscos políticos, eleitoreiros ou oportunistas, como o que a gente já viu no passado.
Na época da pandemia, por exemplo, teve uma denúncia de um servidor público a respeito de uma possível compra superfaturada de vacinas e só foi possível fazer isso porque ele era um servidor efetivo do Ministério da Saúde. Se fosse um comissionado, se fosse uma pessoa simplesmente regida pela CLT, isso não seria possível.
Agora, a proposta em estudo pelo governo federal não me parece que vai passar sem o devido debate com as representações das carreiras, inclusive não me parece uma boa ideia a diferenciação de aumentos de salários e gratificações, porque abre espaço para aquilo que a gente deseja evitar no serviço público, que é o favorecimento político, as trocas de favores. Isso é algo que tem que ser visto com muita cautela”.
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