Líderes do Congresso desafiam STF com mudança na lei
Parlamentares querem criar leis para derrubar decisões do Supremo relacionadas ao aborto, drogas e à demarcação de terras indígenas
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Líderes do Congresso, principalmente da ala opositora ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estão se articulando para apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que daria ao Congresso o poder de revogar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
A ação tomada pelos parlamentares é mais um indicativo de uma espécie de choque entre Poderes. Isso acontece após os ministros do STF pautarem temas polêmicos, como a descriminalização do aborto, do porte de maconha e no caso do marco temporal para demarcação de terras indígenas.
O texto da PEC é assinado pelo deputado Domingos Sávio (PL-MG), que tem tecido várias críticas à Corte. A matéria é chamada de PEC do Equilíbrio entre os Poderes e diz que o Congresso poderia sustar decisões tomadas pelo STF que não forem unânimes e não tenham transitado em julgado.
A suspensão ocorreria por meio de um decreto legislativo apresentado pela maioria dos deputados e senadores e votado por 3/5 dos congressistas. Ou seja: o Congresso poderia, sem ter unanimidade, derrubar uma decisão não unânime do Supremo.
De acordo com o mestre em História Social das Relações Políticas, Fernando Dilen, houve uma tentativa de incluir uma proposta parecida em 1988.
“Na época em que a Constituição foi feita, houve um deputado chamado Brandão Monteiro que propôs que o Congresso poderia sustar os atos do Supremo que ultrapassassem do seu poder regulamentar, mas não foi pra frente”.
Ainda segundo ele, a PEC que pede o controle das atitudes do Supremo não deixa claro quem faria essa análise. “Quem vai definir o que são os limites constitucionais do STF?”, indaga.
Uma das maiores polêmicas atuais é a votação da descriminalização do porte da maconha pelo STF. O especialista em Direito Público, Alexandre Marques, comentou que atualmente, o porte em pequena quantidade da droga já não leva o indivíduo para a delegacia.
“A votação favorável do STF é um claro ativismo judicial, que ao meu ver, em alguns casos, é benéfico. O Supremo atua por conta da inércia do Poder Legislativo”, opinou.
Ainda segundo ele, a Corte, com essa atitude, está descriminalizando condutas, mas que será responsabilidade do Poder Legislativo formular as leis sobre os temas tidos como polêmicos.
Barroso deve pautar aborto
Após ter solicitado a interrupção do julgamento da ação que questiona a legalidade do aborto até a 12ª semana de gestação, o agora presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, deverá colocar o tema em pauta.
Com a chegada dele à presidência da Corte, após a aposentadoria da ex-ministra Rosa Weber, o ministro Barroso deve assumir a responsabilidade de pautar algumas ações consideradas controversas que tramitam na Corte e estão liberadas para julgamento.
Na última semana, o ministro deu uma sinalização de que deve manter em pauta ações que tratam de assuntos de alcance político e social. Ele pediu destaque e levou para o plenário físico da Corte o julgamento que trata sobre a descriminalização do aborto.
O julgamento entrou no plenário virtual no último dia 22 e ficou ativo por minutos antes de ser suspenso pelo magistrado.
Outro tema que deve ser levado a julgamento por Barroso é a análise que trata sobre a descriminalização do porte de drogas. O caso está suspenso por um pedido de vista do ministro André Mendonça.
O tema provocou embate com o Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarou que a atribuição para decidir sobre o tema é do Legislativo. O senador apresentou uma PEC para criminalizar a posse e o porte de todas as drogas, incluindo a maconha.
Entenda
Articulação
Grupos da oposição no Congresso Nacional estão reunindo assinaturas para protocolar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que dará poder para os parlamentares revogarem julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF).
A proposta já conta com 137 das 171 assinaturas necessárias para ser oficialmente apresentada. Algumas frentes parlamentares anunciaram apoio público ao texto do deputado Domingos Sávio (PL-MG).
O deputado mineiro esteve reunido na liderança do partido para debater estratégias dentro do Congresso Nacional para frear o que a oposição vem chamando de “ativismo judicial”.
As frentes estão repudiando o que definiram como “contínua usurpação de competência pelo STF em temas como legalização das drogas, descriminalização do aborto, direito de propriedade e legítima defesa, entre outros”, sob alegação de que tais temas são de competência do parlamento.
Juristas
No entanto, juristas entrevistados pela reportagem defendem que o STF está somente descriminalizando condutas, e não criando leis. Que a criação de leis cabe realmente ao trabalho do Legislativo. De acordo com eles, o Supremo pode fazer isso e estaria demonstrando cuidado com os direitos fundamentais.
Já outros especialistas acreditam que uma atuação considerada mais “excessiva” do Judiciário especialmente do Supremo surge como uma espécie de poder contramajoritário, na inércia do legislador na alteração legislativa em temas referentes a costumes.
Porte
Atualmente, o STF tem cinco votos a favor da descriminalização do porte de maconha e um contra.
O tema começou a ser analisado pelo tribunal em 2015, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do então ministro Teori Zavascki.
Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Rosa Weber votaram a fator descriminalização da maconha. Cristiano Zanin votou contra.
Os Juristas comentam que o porte de maconha em pequena quantidade já não incide pena privativa de liberdade há bastante tempo. O portador não é sequer levado à delegacia.
Na contramão da decisão da maioria do Supremo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) decidiu apresentar junto com líderes partidários da Casa, uma PEC de combate às drogas.
Pacheco afirmou que o texto propõe que seja considerado crime o porte ou a posse de substância entorpecente ilícita em qualquer circunstância e quantidade encontrada que esteja sem autorização.
Essa atitude do presidente do Senado é encarada por especialistas como um “choque de Poderes” entre o legislativo e Judiciário do País.
Fonte: Pesquisa AT e fontes citadas.
Análise
"Supremo coibiu ações que atentaram contra a democracia"
“Essa vontade de querer derrubar decisões do STF é complicada. O Supremo é o guardião da Constituição, órgão máximo do Poder Judiciário que vai fiscalizar a ação do governo federal e do Congresso.
Vimos no último período que o STF agiu para coibir uma série de ações tanto do governo quanto do Congresso que atentaram contra a democracia. A Corte tem a responsabilidade de garantir esses direitos constitucionais.
Essa reação do Parlamento brasileiro para tentar derrubar as ações do STF é uma reação ao que aconteceu no período anterior, que graças a ação do STF houve a possibilidade da transição do governo.
Essa atitude do Congresso é, ao meu ver, complicada, porque o papel do STF é justamente esse, de fiscalizar o Legislativo e Executivo. As ações têm sido feitas para deixar valer a democracia.
Essa relação entre os Três Poderes devem ser harmônicas, mas nem sempre isso acontece. As lideranças terão que chegar em um consenso para que não haja conflito de Poderes.”
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