Pais fazem empréstimos para tentar salvar os filhos das drogas
Familiares se sacrificam financeiramente para que os filhos não sejam mortos por traficantes. Alguns são até presos dentro da própria casa
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Considerado um caso de saúde pública, o vício em drogas não atinge apenas quem faz uso de entorpecentes, mas também aqueles que lutam para que seus entes queridos abandonem a dependência química.
Essa situação atinge pais e mães, que chegam a fazer empréstimos em bancos e até com amigos para evitar que seus filhos viciados sejam mortos por não quitarem suas dívidas com traficantes.
Além dos empréstimos, uma outra forma encontrada pelos familiares para evitar que seus parentes sejam mortos é o encarceramento compulsório, onde mães e pais prendem o próprio filho dentro de casa para evitar que eles saiam em busca de drogas.
“É uma situação comum, infelizmente. Os pais fazem isso para tentar salvar a vida do filho, que já está ameaçado de morte por não ter pago o que devia ao tráfico”, afirmou o titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), de Vitória, Marcelo Cavalcanti.
O delegado explicou que, em boa parte dos casos, traficantes abusam das famílias e acabam por extorquir os parentes de usuários.
“Esses parentes acabam se tornando reféns de criminosos que sempre vão querer mais e mais. A pessoa paga o valor e pensa que o problema vai ser encerrado ali. Mas, como qualquer extorsão, o traficante vê aquela pessoa como fonte de renda e começa a abusar”.
Além de ter que bancar as dívidas com as drogas, quem tem um parente viciado também sofre com os furtos dentro da própria casa. Por esse motivo, segundo Cavalcanti, muitos pais “trancam” seus filhos na residência.
“Eu já vi situações em que a família não tinha nem o que comer e teve que pagar dívidas do filho, que estava até roubando dentro da própria casa. Muitos pais chegam até a trancar os seus filhos, para que ele não saia atrás de drogas”, disse Marcelo Cavalcanti.
Uma pessoa que chegou a trancar o filho dentro de casa foi a cozinheira Geneci de Souza, de 64 anos, cozinheira, mãe de Wedner Augusto Souza, de 43 anos, que está, inclusive, desaparecido.
Ela, que veio de São Paulo à procura do filho, disse que já teve os móveis vendidos pelo homem por conta do vício. “Fui para casa da minha outra filha num dia e no outro, quando cheguei em casa, ele já tinha vendido tudo, fiquei sem nada, tudo por conta das drogas”.
“Vendeu os móveis para manter o vício”
Há dois anos as palavras “angústia e saudade” se tornaram presentes na vida da cozinheira Geneci de Souza, de 64 anos. O filho dela, de 43, que é viciado em drogas, está desaparecido e, desde então, a mulher conta que não tem mais vida.
A cozinheira, que mora em Santo Amaro, São Paulo, viajou até o Espírito Santo, onde deu início “à caça” por Wedner Augusto Souza. Ela pediu ajuda no Projeto Social Encontro Associação Encontro com a Vida e Centro Terapêutico, que fica na Serra, e conversou com a reportagem.
Segundo a mãe, Wedner é viciado em drogas desde os 13 anos, mas conseguiu viver por um tempo longe dos entorpecentes. Nos últimos dois anos, ela conta que o filho saiu de São Paulo e veio para o Espírito Santo morar com o pai, mas acabou não resistindo ao vício e foi morar na rua.
“Há dois anos que ele teve uma recaída e há dois anos que eu não o vejo. Na época que morou comigo, ele chegou a vender todos os móveis da minha casa para sustentar o vício. Ele é meu filho e eu quero encontrá-lo com vida para ajudá-lo”, disse.
Usuário de crack pede ajuda para ser internado
Enquanto a reportagem de A Tribuna entrevistava o pedreiro Lauremir dos Santos Amaral, de 55 anos, pai de Maycon Souza Amaral, que foi assassinado há dois anos, quando tinha apenas 17 anos, um usuário de crack se aproximou da equipe e pediu ajuda.
Foi após ouvir o relato do pedreiro que Rafersson da Silva Garcia, de 41 anos, implorou por ajuda à reportagem.
“Vi esse pai chorando pelo filho que não vai mais voltar e me lembrei da minha mãe e do meu pai, que não estão mais vivos. Eu quero sair disso, preciso de ajuda. Quero me internar, vocês podem me ajudar?”, pediu o homem em tom de desespero.
Ao ouvir o pedido de ajuda, a reportagem entrou em contato com o Projeto Social Encontro com a Vida, que fica no bairro Serra Dourada II, na Serra. Após uma conversa com o responsável, pastor Egrinaldo, a reportagem conseguiu uma vaga para o usuário.
Como Rafersson mora na rua e não tem moradia fixa, a equipe ainda não conseguiu localizar o homem para oferecer a internação e, por esse motivo, pede para que se alguém o encontrar pelas ruas da Grande Vitória que entre em contato com nossa redação pelo telefone (27) 99891-4119.
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“A droga não leva para outro caminho a não ser a morte”
Nem sempre as pessoas viciadas em drogas conseguem se libertar do vício e acabam se envolvendo com o crime para manter a dependência. O problema é que o tráfico é cruel e cobra as dívidas com a vida de quem as deve.
Os que mais sofrem com os assassinatos, motivados pelo tráfico de entorpecentes são os pais, que tentam de tudo para tirar seus filhos dessa vida.
Um exemplo de quem tentou de tudo para salvar a vida do filho, mas infelizmente não conseguiu foi o pedreiro Lauremir dos Santos Amaral, de 55 anos. O filho dele, Maycon Souza Amaral, assassinado há dois anos, quando tinha apenas 17 anos, chegou a ser internado, mas voltou para o vício.
“Eu dava conselhos, a mãe tentou levá-lo para igreja e tentamos até interná-lo, mas ele saiu. Infelizmente não conseguimos tirá-lo disso. Se a droga fosse algo bom, meu filho não teria morrido por conta dela. Por isso eu falo para não entrar para essa vida, porque ela não leva a nada”, disse o pedreiro.
Poder do tráfico sobre a sociedade, Thiago Andrade, mestre em Segurança Pública e delegado de Polícia
“Por várias vezes, indivíduos que estão completamente tomados pela dependência química, principalmente pelo crack, são capazes de fazer qualquer coisa para sustentar o vício. Eles começam se desfazendo de todos os bens que são de sua propriedade e trocam por drogas. Acabam entregando nas bocas de fumo ou vendendo.
Depois que eles não têm mais bens, esses indivíduos realizam furtos dentro de suas residências. Às vezes, fazem dívidas com o tráfico e, por não ter como pagar, a família busca alternativas para fazer esse pagamento.
Em algumas situações, o tráfico de drogas não aceita mais que a família pague por essa 'dívida', porque ali não está em jogo o valor, mas sim a imposição, a regra de que se não pagar, vai morrer, passando recado de poder que o tráfico mantém sobre a sociedade”.
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