Maioria das armas ilegais que chegam ao ES vêm de facções do Rio, diz polícia
Segundo a Polícia Federal, facções do estado vizinho vendem armas antigas para os criminosos daqui após renovar seu arsenal
Escute essa reportagem
A rota das armas que abastece criminosos no Espírito Santo começa em outros países, segundo fontes ouvidas pela reportagem de A Tribuna.
Mas o armamento que efetivamente entra em solo capixaba vem diretamente do Paraguai, de outros estados abastecidos pelo país vizinho e, principalmente, de organizações do Rio de Janeiro.
É o que afirma o delegado Regional de Polícia Judiciária da Polícia Federal no Espírito Santo (PF-ES), Arcelino Vieira Damasceno. “Essas facções conseguem o armamento mais novo e vendem o antigo para os criminosos do Espírito Santo”, afirma o delegado.
O fato de o Estado fazer divisa com o Rio de Janeiro também influencia nesse comércio clandestino de armas. “Sabe-se que há no Rio de Janeiro grandes fornecedores, seja pela questão geográfica, ou o contexto das facções criminosas”, diz.
O delegado destaca que a Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) e a Delegacia de Controle de Armas e Produtos Químicos (Deleaq) detectam esses movimentos e são fundamentais no combate a essas atividades criminosas.
“O crime organizado e o contrabando de arma andam juntos. Então, é importante o trabalho coordenado dessas delegacias, tanto em apreensões, quanto nas investigações”, avalia.
No Estado, é possível ter uma amostra da quantidade de armas ilegais pelas apreensões realizadas pelas polícias Civil, Militar e Rodoviária Federal (PRF).
A PRF informou que foram apreendidas 50 armas de fogo em 2023. De janeiro a abril de 2023 foram 18 no mesmo período deste ano foram 13 armas de fogo.
“São apreendidas armas de fogo de todo tipo, calibres e alcance: pistolas, revólveres, submetralhadoras”, entre outras, informou a PRF por meio da assessoria.
Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) no ano passado foram 4.005 armas apreendidas pelas polícias Civil e Militar do Estado.
Somente de janeiro a abril deste ano, foram 1.285 apreensões, contra 1.320 no mesmo período do ano passado. Lideram em apreensões neste ano pistola (415), revólver (393) e espingarda.
De 2018 a 2023, nota-se o crescimento da apreensão de submetralhadora, saltando de 15 para 257; metralhadora, de 5 para 79; e fuzil, de 2 para 19.
Alfândega apreende carga de Taiwan
Uma carga, inicialmente avaliada como 13 simulacros de pistolas e revólveres e mala para as armas, foi apreendida pela Alfândega do Porto de Vitória e está sendo periciada. O conteúdo veio de Taiwan, no Leste Asiático.
Simulacros têm a aparência de arma, mas não a capacidade de causar danos físicos a alguém, como as armas de brinquedo e os equipamentos de air soft.
A delegada da Alfândega do Porto de Vitória, Adriana Junger Lacerda, explica que a apreensão ocorreu na chamada fonte secundária, após o desembarque no País.
“O valor aduaneiro dessa carga é R$ 10 mil. E a carga foi pega em uma fonte secundária, uma transportadora. As armas não parecem ser verdadeiras, mas somente a perícia vai dizer se realmente são”.
Adriana Junger Lacerda diz ainda que no porto não é comum haver apreensão de cargas que contenham armas.
A delegada explica ainda que a Alfândega fiscaliza portos, aeroportos, zona de fronteiras, e zonas secundárias, como a transportadora, e que as ações são constantes.
No caso da carga apreendida, a empresa, que tem sede na Serra, foi autuada por contrabando e descaminho (desvio de mercadoria para não serem tributadas).
“Foi uma ação de repressão rotineira. O dono da carga não conseguiu comprovar a compra regular do produto e a regular importação”, diz a delegada.
Ela frisa que a perda da carga é imediata, quando é encontrada sem a comprovação da entrada regular no Brasil.
Mesmo que se tratarem de simulacros, Adriana Junger alerta que, nas mãos de bandidos, podem incentivar a violência.
“Esses simulacros, nas mãos de criminosos, continuam fomentando assaltos e outras formas de violência. São imitações muito perfeitas e podem realmente causar danos à sociedade, se mal empregados”.
Maior parte vem de carro e caminhão
Escondidas por baixo de painéis de carro, em fundo falso de caminhão bitrem, em pneus de estepe de carros, por baixo dos bancos dos veículos. É por rodovias e estradas que as armas ilegais entram no Brasil e no Espírito Santo, em sua maioria.
“Muitas vezes, tem que desmontar o veículo para pegar as armas. Há caso de pistola escondida no estepe, eles esvaziam o pneu, colocam a arma e enchem de novo. Mas sempre estamos atuantes e fazendo as ações e investigações”, afirma o delegado Regional de Policia Judiciária da Polícia Federal no Espírito Santo, Arcelino Vieira Damasceno.
E na fronteira com o Paraguai está o chefe da Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu, Paraná, Marco Smith. “A maior rota é o eixo Rio x São Paulo”, afirma.
O delegado conta que já foram encontradas 18 pistolas no câmbio de uma moto na fronteira.
“Eles tiram o tanque de gasolina e colocam uma garrafa de 1 litro com uma mangueira. Na Ponte da Amizade, passam 60 motos a cada 10 segundos, 140 mil pessoas por dia”, avalia, sobre a capacidade de fiscalização.
Porém, destaca que é o trabalho que vem sendo feito que permite identificar e prender quadrilhas. “Fazemos a fiscalização ostensiva, que acaba apreendendo grande quantidade de armas, e leva às investigações”, destaca.
Ele conta que, até há três anos, o predomínio de armas apreendidas era de origem dos EUA.
“A Polícia Federal, junto com a diplomacia, fez um trabalho com os norte-americanos, explicando que as armas vendidas ao país vizinho serviam ao crime organizado no Brasil. Hoje, há um embargo da venda de armas dos Estados Unidos para o Paraguai”, explica Marco Smith.
Porém, segundo o delegado, a legislação americana permite a venda de armas por peças, o que traz a necessidade de ampliar o diálogo com os Estados Unidos. “Para o criminoso, é possível comprar as peças e montar a arma”.
Marco Smith observa que, atualmente, os principais fornecedores são países do Leste Europeu, Turquia e Israel, os dois últimos mais com a venda de pistolas.
O delegado observa que a legislação do Paraguai não permite venda para estrangeiros. “O que ocorre é que há muita pobreza e muitos criminosos se aproveitam disso e pegam o número do documento dessas pessoas e compram as armas. Quando não há a corrupção na estrutura do Estado”.
As três principais fronteiras com o Paraguai são: Foz do Iguaçu e Guaíra, no Paraná, e Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. “Em Ponta Porã, há fazendas binacionais imensas, além de rodovias”.
Operações nas divisas do Estado
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), as armas ilegais que entram no Espírito Santo, além de abastecer o crime local, também têm como destino outros estados. A PRF informou que já realizou ação de fiscalização específica nas divisas do Estado, visando o combate à entrada de armas ilegais.
“A fiscalização é feita tanto na atividade do dia a dia quanto em operações específicas”, informou, por meio de sua assessoria. A corporação afirmou ainda que “as armas de fogo são de fabricação de vários países, de vários continentes”, não sendo possível precisar.
De acordo com a PRF, não é possível definir rotas, “pois são utilizadas dezenas de rotas distintas e a forma de combate por parte da PRF são as operações especializadas no contrabando de armas, bem como o trabalho rotineiro no dia a dia do policial rodoviário federal”.
Procurado para falar sobre a entrada de armas ilegais no País, o Comando Militar do Leste informou que, segundo a portaria 1757 / EB10-IG03.001 2022, compete ao Exército regular, autorizar e fiscalizar o exercício das atividades de fabricação, comércio, importação, exportação, utilização, prestação de serviços, colecionamento, tiro esportivo e caça, relacionados com produto controlado pelo Exército (PCE).
“Portanto, as perguntas realizadas extrapolam a nossa esfera de atribuição, sendo inerentes aos Órgãos de Segurança Pública”, afirmou o órgão.
Apreensões 2024 e comparativo 2023
Armas apreendidas (janeiro a abril) 2024 - 2023
Arma caseira cano curto: 61 - 63
Arma caseira cano longo: 71- 62
Carabina: 17- 10
Escopeta: 10 - 9
Espingarda: 143 - 142
Fuzil: 5 - 4
Garrucha: 41- 46
Garruchão: 4 - 5
Metralhadora: 26 - 15
Outras espécies: 3 - 3
Pistola: 415 - 447
Revólver: 393 - 411
Rifle: 14 - 14
Sem Informação (tipo): 1 - 4
Sub-metralhadora: 81 - 85
Total geral: 1285 - 1320
Fonte: 2020-2023 DEON, 2018-2019 Ecops
Apreensões (2018 - 2023)
Tipo- 2023 - 2022 - 2021 - 2020 - 2019 - 2018 - Total
Pistola - 1424 - 1162 - 1068 - 922 - 831 - 786 - 6193
Revólver - 1127 - 1323 - 1516 - 1492 - 1323 - 1248 - 8029
Espingarda - 434 - 482 - 524 - 552 - 528 - 402 - 2922
Arma caseira - 383 - 288 - 275 - 290 - 283 - 246 - 1765
Sub-metralhadora - 257 - 210 - 214 - 125 - 34 - 15 855
Garrucha - 139 - 164 - 195 - 211 - 132 - 185 - 1026
Metralhadora - 79- 87 - 89 - 59 - 19 - 5 - 338
Rifle - 59 - 58 - 65 - 46 - 39 - 24 - 291
Carabina - 26 - 49 - 38 - 35 - 39 - 25 - 212
Escopeta - 24 - 15 - 22 - 34 - 31 - 23 - 149
Outras espécies - 20 - 84 - 45 - 93 - 21 - 23 - 286
Fuzil - 19- 11 - 8 - 12 - 9 - 2 - 61
Garruchão - 14 - 17 - 36 - 29 - 13 - 17 - 126
Fonte: 2020-2023 DEON, 2018-2019 Ecops
Caminho até o Espírito Santo
1 Armas de vários países entram no Paraguai e para adquirí-las é preciso ser cidadão do país. Gangues usam documento de paraguaios ou a corrupção na estrutura do Estado.
2 Contrabandistas pegam armas na fronteira. Chegam a pagar sete vezes mais por um fuzil no mercado paralelo, no Rio e São Paulo, do que o valor da arma legalizada.
3 Os criminosos trazem a carga em sua maioria por rodovias. Entre as principais entradas no Brasil estão: Foz do Iguaçu e Guaíra (PR) e Ponta Porã (MS).
4 A Polícia Federal já apreendeu armas de contrabando em: pneus, fundo falso de painéis de carros e de carroceria de caminhões, tanque de motocicletas, entre outros.
5 No Espirito Santo, a arma pode chegar direto do Paraguai, ou de facções do Rio de Janeiro (maioria) que modernizam seu arsenal e se desfazem das velhas, vendendo para cá.
6 Em 2023, foram apreendidas 4.055 armas no Estado, pelas polícias Civil, Militar e PRF. De 2018 (2) a 2023 (19), nota-se aumento da apreensão, por exemplo, de fuzis.
MATÉRIAS RELACIONADAS:
MATÉRIAS RELACIONADAS:
Comentários