Projeto de lei libera até 90 casas de apostas no ES
Proposta aprovada na Câmara dos Deputados autoriza um cassino, cinco empresas de jogo do bicho e até 84 bingos nos municípios
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O Espírito Santo poderá ter até 90 casas de jogos. Projeto já aprovado na Câmara dos Deputados e em análise no Senado libera no Estado um cassino, cinco empresas de jogo do bicho e até 84 bingos nos municípios.
A proposta recebeu em novembro parecer favorável por seu relator na Constituição de Constituição e Justiça do Senado, e há clima para a aprovação. O presidente estadual da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-ES), Fernando Otávio Campos, disse que Domingos Martins e Guarapari são as candidatas a receber o cassino.
“Estão no páreo, por conta dos investimentos recentes no turismo e por terem boa logística. As montanhas se destacam por ser característica de um turismo de renda mais elevada.”
Já no caso dos bingos, todos os municípios poderiam ter pelo menos um estabelecimento. Serra e Vila Velha poderiam ter até três, e Vitória e Cariacica até dois.
A legalização é defendida também pelo representante de quem trabalha no setor. “O País vive numa hipocrisia”, dispara o presidente da Federação dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade do Estado (Fetthes) e diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo (Contratuh), Odeildo Ribeiro.
“Do que adianta proibir aqui, se nos países vizinhos é liberado e o brasileiro vai para lá jogar? Quem quer jogar, vai jogar, não importa onde. O importante é que o governo crie uma regulamentação e faça a fiscalização. Tem de ser liberado porque é uma arrecadação que pode gerar recursos para a saúde, educação e segurança.”
Uma indicação de que o projeto pode ser aprovado são sinalizações do governo e dos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Enquanto Pacheco afirmou considerar a legalização como caminho para a arrecadação sustentável no País, Lira é forte defensor da liberação. “É uma fonte extraordinária de empregos e de receita”, chegou a afirmar, na tramitação na Câmara.
Já o governo federal se manifestou recentemente por meio do presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), Marcelo Freixo.
“Vejo como uma forma de se regularizar algo que já ocorre, mas de forma clandestina e sem controle. Vejo também como uma questão social a ser resolvida e não só econômica”, afirmou, no início do mês, mesmo tendo votado contra a proposta na época.
SAIBA MAIS
Histórico das apostas no País
> Liberação em 1920 com Pessoa
O jogo era proibido no País desde o império, mas na década de 1920 foi liberado pelo então presidente Epitácio Pessoa, mas só nas estâncias balneárias, climáticas e de águas. A ideia era que o jogo custearia o saneamento básico no Brasil.
> Era de ouro com Vargas
Porém, os fechamentos eram frequentes naquela década. Só a partir da década de 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, que o setor prosperou e viveu sua chamada “era de ouro”, com mais de 70 casas de apostas em atividade, incluindo o Rádium Hotel, em Guarapari. O imposto era recolhido não pelo governo federal, mas pelos municípios.
Na época, a propaganda dos jogos era proibida. O que era permitida era a divulgação, nas rádios e nos jornais, dos shows e espetáculos que ocorriam nos cassinos.
> Dutra assume e proíbe
Mas a atividade foi novamente proibida em 1946 por decisão do então presidente Eurico Gastar Dutra, sob o argumento de que o jogo é degradante para o ser humano e que a “tradição moral, jurídica e religiosa do brasileiro é incompatível com os jogos, que ferem a moral e os bons costumes”.
Na época, a medida foi defendida em massa por políticos, inclusive por opositores de Dutra. Houve intenção até de mudar a Constituição.
> Motivos de Dutra
Especula-se três motivos reais por trás da decisão de Dutra: a primeira, é de que esta seria uma forma de apagar os vestígios da era Vargas. Já as outras duas envolvem o então ministro da Justiça Carlos Luz, que teria ojeriza aos jogos, e a primeira-dama Carmela Dutra, que, ligada à Igreja Católica, teria pressionado o marido a proibir a atividade.
O que prevê o projeto?
> Cassinos
Segundo o projeto, cada estado poderá ter um cassino, com exceção de São Paulo, que terá até três, e de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pará, que poderão ter até dois.
O projeto também prevê que casas de jogos poderão funcionar em embarcações marítimas e fluviais, que seguirão regras específicas.
Especialistas destacam que Guarapari e Domingos Martins são as cidades favoritas para receber o cassino no Estado, caso a proposta se transforme em lei.
> Bingos
O jogo poderá ser explorado em caráter permanente somente em casas de bingo. A autorização para essas casas será concedida por 25 anos, renováveis por igual período.
No Estado, poderá haver casas de bingo nos 78 municípios, sendo que Serra e Vila Velha poderão ter três estabelecimentos e Vitória e Cariacica poderão ter dois.
> Corridas de Cavalos
Já as corridas de cavalos poderão ser exploradas por entidades turísticas credenciadas no Ministério da Agricultura, que também poderão ser credenciadas a explorar, ao mesmo tempo, jogos de bingo e videobingo.
> Jogo do Bicho
Será credenciada no máximo uma operadora de jogos e apostas no jogo do bicho para cada 700 mil habitantes em cada Estado. Ou seja, no Espírito Santo, poderão haver 5 operadores.
Tramitação do projeto
A proposta já recebeu parecer favorável do relator, o senador Irajá de Abreu (PSD/TO), em novembro, mas ainda não tem data para ser votada. Irajá destacou que o mercado atual do setor já movimenta R$ 31 bilhões sem recolhimento de impostos.
Já se colocaram como favoráveis à legalização do projeto políticos como os presidentes da câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, além do presidente da Embratur, Marcelo Freixo, que mudou de opinião após ter votado contra a proposta quando era deputado.
Alerta para vícios e associação ao crime
A possível legalização não é bem recebida por alguns especialistas por conta de seus impactos na saúde dos jogadores e na possível associação com criminalidade.
O psiquiatra Vicente Ramatis Lima afirma que “não é por acaso” que a experiência foi cancelada no Brasil na década de 1940, e que os eventuais efeitos positivos na economia não seriam suficientes para cobrir os impactos negativos na sociedade.
“Na prática, vai beneficiar poucas pessoas e prejudicar muitas. O mesmo mecanismo do cérebro que faz com que a pessoa tenha uma dependência na droga é o que vai levar à dependência ao jogo. E 25% da população tem predisposição a dependências de uma forma geral. Vai ser uma questão social”.
Ele destaca que a tendência é que, a longo prazo, a liberação dos jogos resulte em uma sociedade com grande quantidade de pessoas endividadas e até mesmo num aumento da violência, por conta da busca por meios para sustentar o vício.
“Vai ser um desastre para as famílias. Um pai de família viciado poderá colocar a família toda em risco ao pegar um empréstimo com agiota para sustentar o vício, por exemplo”.
A psicóloga e supervisora do Programa Ambulatório do Jogo Patológico (PRO-Amjo) do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Maria Paula de Oliveira, destaca que o vício em jogos atinge sistemas ligados a recompensa. “O grande fator de risco é pensar em voltar a apostar para recuperar aquilo que foi perdido”.
O advogado criminalista e professor de processo penal Rivellino Amaral destaca que há risco desses jogos serem manipulados pelas casas para obter o lucro, o que traria prejuízo monetário a uma camada considerável da população.
Já o advogado especialista em direito público Sandro Câmara diz ser favorável à legalização, mas alerta que ela precisaria vir acompanhada de programas sérios e planejados de conscientização da população sobre os riscos financeiros e sociais do jogo e da aposta.
Dez mil empregos no Estado com liberação
A legalização dos jogos de azar no País pode resultar na criação de até cerca de um milhão de empregos no País e de 10 mil a 15 mil no Estado. Essa é a avaliação de empresários ligados ao setor de turismo, que aguardam a aprovação da proposta com altas expectativas.
“Temos 25 mil trabalhadores no segmento do turismo. Se esse projeto virar realidade, esse número pode subir para em torno de 40 mil. Isso só nos empregos formais, imagine nos informais. Antes da proibição, lá nos anos 40, empregava-se em torno de 60 mil”, explicou Odeildo Ribeiro.
Vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Estado (ABIH-ES), Nerleo Caus destaca que cassinos poderão ter shows permanentes, o que permitirá um aumento nas oportunidades de emprego na área.
“Também vai beneficiar diretamente o Estado, que tem população pequena cujo Turismo será em breve mais importante que qualquer indústria”, afirma o presidente da ABIH-ES, Fernando Otávio Campos.
Religiosos condenam jogos
Religiosos manifestaram-se contra a possível legalização dos jogos de azar, destacando o impacto negativo dos vícios.
“A Igreja se posiciona contra o jogo de azar e qualquer outro tipo de aposta, pois entendemos que isso leva ao vício, e todo vício de jogatina constitui-se em desejo desenfreado, fazendo mal para própria pessoa”, destaca o pastor presidente e fundador da do ministério Assembleia de Deus Praia da Costa, Marinelshington da Silva.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota condenando a medida e destacando a possibilidade da associação dos jogos de azar com a lavagem de dinheiro e o crime organizado.
“Cabe-nos alertar que o jogo de azar traz consigo irreparáveis prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares. Além disso, o jogo compulsivo é considerado uma patologia no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde. O sistema altamente lucrativo dos jogos de azar tem sua face mais perversa na pessoa que sofre dessa compulsão”, diz a nota.
Já a federação Espírita Brasileira (FEB) afirmou em nota que “os jogos de azar são danosos a todo o sistema familiar, promovendo o adoecimento do indivíduo e das pessoas próximas”.
Bancada do Estado é contra
Se depender dos senadores do Espírito Santo, a proposta de legalizar o jogo de azar no País poderá ter dificuldade em ser aprovada.
Magno Malta (PL), por exemplo, relatou que vê a legalização como “inadmissível”.
“Suscita preocupações quanto a vícios, lavagem de dinheiro e impactos sociais adversos. Espero que o bom senso prevaleça e essa aprovação não ocorra”, afirmou.
Já Marcos do Val (Podemos) afirmou, em 2022, ser totalmente contrário. “Mas é um assunto que será muito debatido ainda”, disse, na época. Ele foi procurado para atualizar sua posição, mas não deu retorno até o fechamento da edição.
Já Fabiano Contarato (PT) relatou à reportagem que vai definir sua posição definitiva após ampla discussão pública e a partir das posições expostas por setores sociais e profissionais envolvidos.
“É preciso que o projeto seja amplamente discutido nas Comissões do Senado para que a sociedade saiba dos seus reais impactos”, declarou o senador.
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