Duas ações todo dia por assédio sexual e humilhação no ES
Justiça do Trabalho recebeu em 2 anos pelo menos 1.570 processos. Segurança maior para denunciar é um dos motivos, diz juiz
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Pelo menos duas ações por assédio sexual ou moral foram ajuizadas por dia na Justiça Trabalhista do Espírito Santo nos últimos dois anos.
O número vem de um levantamento feito com dados da Corregedoria-Geral do Tribunal Regional do Trabalho (TST), que mostrou que pelo menos 1.570 trabalhadores entraram com processo por algum tipo de assédio.
Segundo o TRT, o número pode ser até maior, já que é comum que processos tratem de vários temas, mas o sistema só discrimina um dos assuntos. “As ações estão mais frequentes do que a gente imagina. Mas hoje as pessoas estão mais conscientes e encorajadas ir atrás de seus direitos”, afirma a advogada trabalhista Edilamara Rangel.
A advogada especialista em Direito Trabalhista Patrícia Pena da Motta Leal explica que assédio sexual é caracterizado por qualquer comportamento não desejado de cunho sexual, sejam comentários, gestos, ou contato físico, que possa afetar a dignidade da pessoa, especialmente quando cria um ambiente de trabalho intimidador, hostil ou humilhante:
“Já o assédio moral se manifesta por condutas abusivas, repetitivas, que visam menosprezar, humilhar ou desqualificar o trabalhador, deteriorando o ambiente laboral.”
Segundo o juiz da 7ª Vara do Trabalho de Vitória, Marcelo Tolomei, esses tipos de assédio são problemas antigos que estão recebendo uma abordagem nova dos operadores do Direito, o que encoraja e dá segurança para denunciar.
O advogado e doutor em Direito Luiz Henrique Alochio explica que não há uma forma única para denunciar. Ele cita que algumas empresas já têm sistemas internos de prevenção ao assédio, como canais de ouvidoria.
“As empresas sabem que, se não agirem, terão suas imagens comprometidas. Mas há empresas que não têm esse tipo de canal ou, que se omitem quando recebem um aviso de assédio cometido. Neste caso, não há outra saída se não buscar a Justiça, o Ministério Público do Trabalho ou até polícia, dependendo do assédio”.
O advogado Guilherme Machado disse que as empresas têm responsabilidade pelos atos contratados no âmbito laboral, e também respondem por casos de assédio.
Casos no Estado
Terceirizado
Casos de assédio podem acabar ocorrer quando envolvem funcionários de empresas que tenham relação comercial.
Foi o caso de uma grande empresa no Estado que tinha relação com um restaurante. Um funcionário da empresa assediou sexualmente uma empregada do restaurante. Ela denunciou a seus chefes, que repassaram a questão à empresa. O autor foi demitido por justa causa e chegou a entrar na Justiça, mas a demissão foi mantida.
Sem desembarque
Uma empresa do ramo de navegação e logística foi condenada a pagar R$ 100 mil a uma enfermeira grávida que foi vítima de assédio moral.
Ela trabalhava num navio de carga e teve o desembarque negado pelo superior hierárquico, após relatar mal-estar decorrente da gravidez. Ela só conseguiu deixar a embarcação cinco dias após o pedido e depois de ter sofrido forte sangramento.
Ela foi conduzida ao hospital e teve diagnóstico de gravidez ectópica (quando o ovo fertilizado se fixa fora do útero), situação que oferece risco de morte à gestante.
Chefe assediado
É comum que casos de assédio sejam praticados por chefes ou colegas de mesmo nível hierárquico. Mas, no Estado, há pelo menos um caso onde um chefe foi vítima de assédio de subordinados.
A situação ocorreu em uma fábrica de alimentos em Vila Velha. A supervisora de compras era ridicularizada na frente de colegas pelas subordinadas, que não aceitavam sua chefia e criticavam seu trabalho, jeito de vestir, falar e escrever. A indenização estabelecida foi de R$ 30 mil.
Saiba mais
O que é assédio no trabalho?
O assédio se caracteriza pelo ato de importunar alguém de forma abusiva. Isso ocorre, por exemplo, com perseguição, propostas, declarações ou insistências, de forma virtual ou presencial. No ambiente de trabalho, ele se configura quando a pessoa é exposta a uma situação constrangedora, abusiva ou inapropriada.
Alguns exemplos:
Assédio sexual
Convites impertinentes;
Contato físico não desejado;
Insinuações explícitas ou veladas de caráter sexual;
Gestos ou palavras, escritas ou faladas, de duplo sentido.
Assédio moral
Sobrecarregar o profissional com novas tarefas ou retirar o trabalho que habitualmente executava, provocando a sensação de inutilidade e de incompetência;
Impor punições vexatórias (dancinhas, prendas);
Não levar em conta seus problemas de saúde;
Por outro lado, não se configura assédio moral exigir que o trabalho seja realizado com eficiência e estimular o cumprimento de metas.
Assédio moral organizacional
Gestão por estresse, que extrapolam as condições normais de trabalho em razão da pressão para o cumprimento de metas irreais;
Uso de práticas abusivas gerenciais para o aumento de produtividade ou redução de custos;
Exigência de desempenho exagerado que leva ao comprometimento da saúde física e emocional dos envolvidos, provocando ansiedade, depressão, insônia e sentimento de incapacidade, entre outros.
Recomendações
Uma recomendação é tentar estabelecer um limite ao assediador moral. Não precisa ser grosso, mas precisa ser claro que o tratamento é ofensivo. E também não se deve conversar com o agressor sozinho. Sempre com alguém por perto.
Se não houver resultados, o próximo passo é buscar superiores dentro da empresa, ou procurar um canal de ouvidoria, se a empresa tiver um.
Em caso de omissão da empresa sobre o caso, há a possibilidade de se entrar na Justiça com uma reclamação trabalhista, denunciar a empresa ao Ministério Público Trabalhista, ou até mesmo ir à polícia, dependendo da gravidade do caso.
A vítima, inclusive, pode fazer gravação ambiental, desde que a vítima seja interlocutora da gravação, como numa ligação telefônica, por exemplo.
Fontes: TRT-ES e especialistas citados na reportagem.
Especialistas veem excesso de sensibilidade na nova geração
A maior frequência das denúncias de casos de assédio é avaliada por especialistas como uma consequência da geração atual, considerada mais informada sobre seus direitos e menos tolerante a certas atitudes no ambiente de trabalho.
O advogado Guilherme Machado diz que cobranças com linguagem respeitosa não podem ser confundidas com perseguição. Para o advogado Luiz Henrique Alochio, há “excesso de sensibilidade em alguns casos, mas não a maioria”.
Em análise escrita para A Tribuna em setembro de 2023, o advogado trabalhista José Carlos Rizk Filho avaliou que vê falta de resiliência a críticas e à pressão, o que tem causado uma “banalização” nas ações judiciais. O advogado Sandro Rizzato também vê falta de resiliência nas novas gerações.
“As pessoas estão 'on' na rede social e 'off' nas relações humanas. A sociedade está caminhando para o momento que um simples 'bom dia', se for pessoalmente e não pelo WhatsApp, dependendo da forma como é dito, será motivo para litígio, assédio, danos”, criticou.
Análise
“Choque de gerações no trabalho existe”
“Ainda há um receio em denunciar casos de assédio. Geralmente, as pessoas optam por fazer isso após serem demitidas, mas, dependendo da área em que ela atue, ela pode nem fazer por medo de ficar malvista e não conseguir outro trabalho.
Quanto ao choque de gerações, ele existe. A geração mais velha, que viveu o período da ditadura militar e de instabilidade econômica, foi criada sem contato sobre questões hoje amplamente discutidas, incluindo a do assédio. E era ensinada a buscar a estabilidade, mesmo com problemas.
Já a geração de hoje não viveu um período complexo como aquele, recebe suporte maior dos pais e têm acesso a informação. Então são mais sensíveis e mais exigentes com o ambiente de trabalho. Inclusive, tendem a usar as redes sociais para denunciar casos de assédio, “cancelando” empresas e colegas”.
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