Justiça vai julgar 166 mil ações de consumidores no ES
Especialistas veem falta de conhecimento e abuso de gestores de empresas. E defendem fortalecer Procons para aliviar o Judiciário
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Na data que marca o Dia do Consumidor, nem tudo é motivo para comemoração. No Espírito Santo, 166 mil processos relacionados a direitos dos consumidores aguardam decisão.
Os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) são de ações em tramitação no Tribunal de Justiça do Estado em dezembro de 2023.
Segundo o Conselho, entre os assuntos que lideram os processos estão pedidos de indenização por dano moral e material, inclusão indevida em cadastro de inadimplentes, além de empréstimo consignado e práticas abusivas.
A advogada especialista em Direito do Consumidor, Denize Izaita, destacou que o Direito do Consumidor é mutável. “A cada ano, vemos renovação de demandas, temas com maior apelo. Até 2015, por exemplo, o maior volume de demandas era relacionado a telefonia fixa. Nos últimos 10 anos, houve migração para internet móvel e banda larga”.
O advogado Giovani Vieira explicou que a maior parte das ações relacionadas ao direito do consumidor é ajuizada nos Juizados Especiais Cíveis. “São casos de menor complexidade, em que o rito processual é mais célere”.
Sergio Araujo Nielsen, advogado especialista em Direito do Consumidor, observa que existe muita demanda no Judiciário que poderia ser evitada. Alguns fornecedores agem por falta de conhecimento, outros por abusividade.
O advogado Gilberto Raizem Spalenza entende que a judicialização deva ser a última opção; utilizada apenas quando as vias administrativas ou extrajudiciais não surtem efeito.
“Antes, a pessoa deve buscar solução junto ao consumidor.gov e ao Procon. Caso não surta efeito, então buscar um advogado ou a defensoria pública para cobrar seu direito na justiça”.
A advogada e diretora da Associação de Defesa do Consumidor do Espírito Santo Karla Cecília Luciana Pinto defende que é necessário fortalecer os Procons municipais para evitar a sobrecarga no judiciário. “As prefeituras precisam montar sua estrutura, mas temos observado poucos municipios firmes que coibem a ação do comércio”, avalia.
Golpe em empréstimo
O aposentado Manoel Felix De Lima, 67 anos, está há um ano em disputa na justiça contra um banco após sofrer um golpe e não receber suporte para minimizar as perdas.
Prometendo reduzir a taxa de um empréstimo, a golpista fingiu ser agente do banco e roubou R$ 9.110. Ele não desconfiou no início, mas dias depois foi notificado de uma dividida de 48 vezes de R$ 1.058.
Manoel foi à agência e descobriu que a golpista havia solicitado para ele um empréstimo via aplicativo que foi transferido para outras duas contas. A gerente alegou que o empréstimo não poderia ser suspenso.
Ele então registrou um boletim de ocorrência na polícia e foi ao Procon. Sem solução, reuniu provas e foi à justiça. A audiência será em maio.
Como buscar ajuda
Problemas
Caso o consumidor se sinta lesado em algum direito, é recomendável que ele entre em contato com a empresa ou fornecedor o quanto antes para cobrar providências e tentar resolver o problema.
Ajuda
Caso a questão não seja solucionada diretamente com a empresa, o consumidor pode buscar órgãos e serviços de defesa do consumidor.
Entre eles, estão os Procons municipais ou o Estadual. Os órgãos de defesa do consumidor atuam de forma administrativa, notificando as empresas e buscando acordos.
Outra opção é buscar o serviço pelo site consumidor.gov.br, onde também as empresas são acionadas para tentar solucionar casos de forma extrajudicial.
Na Justiça
Quando o consumidor não consegue uma resolução junto à empresa ou quando ele busca uma reparação ainda pelos danos materiais e morais sofridos, uma outra opção é buscar o Poder Judiciário.
Os Juizados Especiais Cíveis são competentes para conciliar, julgar e executar as causas de menor complexidade, que não excedam a 40 salários mínimos (R$ 56.480), sendo dispensável a assistência por advogado nas ações cujo valor não ultrapasse 20 salários mínimos (28.240).
Fonte: especialistas consultados.
Empresas de telefonia e financeiras lideram queixas
Além de buscarem o Judiciário na tentativa de resolver problemas com compras e serviços contratados, consumidores também têm recorrido a Procons. Entre as principais queixas estão aquelas relacionadas a serviços de telefonia, internet, além de instituições financeiras e bancárias.
O coordenador especial de Proteção e Defesa do Consumidor do Procon Cariacica, Elberson Lima, revelou que em 2023 foram feitos mais de 11 mil atendimentos.
“Do total, 20% foram reclamações de telefonia, internet, serviço de fornecimento de água e energia. Na maioria das vezes conseguimos a resolução por mediação, com 90% de resolutividade.”
Ele apontou que, em 2023, cerca de 1 mil multas foram aplicadas a empresas por descumprirem acordos feitos com o consumidor.
A advogada especialista em Direito do Consumidor, Denize Izaita, também apontou como maiores demandas de Procons aquelas relacionadas às instituições financeiras e bancárias.
Outros casos
Cruzeiro cancelado
A empreendedora Roberta Borsoi e o marido Jeivisson Roberto entraram na Justiça contra uma empresa de cruzeiros. “Com a pandemia, foi cancelado”.
“Entramos com a ação e comprovamos o cancelamento prévio. Houve decisão obrigando a empresa a devolver valores e R$ 2 mil de danos morais para cada”.
Sem internet
Com a internet fibra sem funcionar por três dias, uma consumidora buscou a Justiça após ter o pedido de desconto pela perda do sinal na fatura negado.
O advogado Giovani Vieira contou que, nesses casos, a empresa é obrigada conceder desconto. “Foi feito acordo e a consumidora recebeu R$ 2.500”
Análise
“Comércio eletrônico aumentou os golpes”
“Apesar de estarem mais empoderados, com maior acesso a informação sobre seus direitos, os consumidores continuam sendo muitas vezes desrespeitados.
Com a explosão do comércio eletrônico, por exemplo, eles também têm sido mais vítimas de fraudes e de golpes.
Diante desse cenário, precisamos ampliar o acesso ainda mais à informação, com os Procons, advogados fazendo seu papel preventivo, campanhas publicitária educativas.
Outro ponto para mudar essa realidade é debater leis mais rígidas. Coibir práticas abusivas e punir com rigor empresas que são criadas exclusivamente para aplicar golpes, lesionar e desrespeitar o Direito do Consumidor”.
- George Alves, vice-presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-ES.
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