Condenados a pagar até R$ 800 mil por mentir à Justiça
Litigância de má-fé, em que fica comprovada a tentativa de enganar o Judiciário, pode acabar em dívida pesada, como em um caso no Espírito Santo

O que começa como uma ação trabalhista pode acabar em uma dívida milionária. Os tribunais do Trabalho estão fechando o cerco contra quem tenta enganar a Justiça — e a conta para os trabalhadores que mentem e praticam a chamada litigância de má-fé já chega a R$ 800 mil.
Foi o que aconteceu com um prestador de serviços no Espírito Santo que viu sua tentativa de comprovar vínculo empregatício virar um verdadeiro pesadelo jurídico e financeiro.
Ele recorreu à Justiça alegando ter atuado como empregado por cerca de 25 anos, embora estivesse formalmente contratado como pessoa jurídica (PJ) por meio de empresas das quais era sócio. O valor da causa chegou a R$ 3.252.807,20.
Segundo informações do processo, ele recebia remunerações mensais de cerca de R$ 100 mil, em média, nos últimos anos, e sempre se declarou como empresário.
“Após o término do último contrato, ajuizou ação trabalhista, alegando ser empregado e pleiteando direitos, justificando a assinatura dos contratos como prestador de serviços pela sua suposta hipossuficiência econômica”, relatou o advogado Alberto Nemer Neto, que comentou o caso sob a ótica jurídica.

Segundo Nemer, a Justiça reconheceu a má-fé do reclamante e manteve a multa por litigância de má-fé, fixada em 10% sobre o valor da causa — cerca de R$ 325 mil. O autor recorreu, mas o recurso foi negado. Ao final, a condenação por má-fé, somada a honorários advocatícios e custas processuais, aproximou-se de R$ 800 mil.
Alison Kaizer Guerini de Araujo, advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho pela FGV, contou que nos últimos anos, especialmente após a reforma trabalhista de 2017, tem observado um aumento na atenção dada pelos magistrados aos casos de litigância de má-fé, inclusive com condenações mais expressivas:
“No Espírito Santo, essa prática também tem sido identificada, embora não seja a regra, pois a grande maioria dos trabalhadores busca a Justiça de forma legítima, para fazer valer direitos que entende ter. Porém, quando se comprova que houve distorção intencional dos fatos, o Judiciário não tem hesitado em aplicar as penalidades previstas em lei”.
Mentira à Justiça
Deslealdade para prejudicar, atrasar, enganar a outra parte
O que é litigância de má-fé?
Prevista na Lei nº 13.105/2015, do Código de Processo Civil, a litigância de má-fé ocorre quando uma das partes age de forma dolosa (com intenção) ou desleal no processo judicial, com o objetivo de enganar, atrasar, ou prejudicar o outro lado e o andamento justo da ação.
Comete litigância de má-fé quem altera a verdade dos fatos, usa o processo para conseguir algo ilegal, provoca incidente manifestamente infundado ou até mesmo interpõe recurso com o intuito claro de protelar o andamento da ação.
A litigância de má-fé não pode ser presumida: a intenção de prejudicar ou atrasar o processo deve ser comprovada. O simples fato de usar os recursos legais previstos não configura litigância de má-fé.
Quais as consequências?
O litigante de má-fé pode sofrer diversas penalizações, conforme determina os artigos 79 e 81 do Código de Processo Civil.
As medidas visam tanto punir a conduta abusiva quanto proteger a lealdade e eficiência do sistema judicial e envolvem multa que varia entre 1% e 10% do valor da causa devidamente corrigida, pagamento de indenização por perdas e danos para a parte prejudicada, pagamento de honorários advocatícios da outra parte e despesas processuais, e até mesmo pagamento de indenização por danos morais.
Mentiras mais comuns

Há casos de falsificações ou apresentação de documentos falsos, como atestados médicos; reivindicação de benefícios não devidos sem comprovação clara, e até mesmo casos de trabalhadores que fazem uso de atestado médico no ambiente de trabalho, mas apresentam vida social incompatível com o problema de saúde que dizem possuir. Outra situação é mentir sobre o estado do contrato de trabalho.
Outros casos
Horas extras
Um trabalhador ajuizou ação na Justiça pedindo horas extras, afirmando que registrava o ponto e continuava trabalhando, mas foi desmascarado pelo geolocalizador de celular, que demonstrou que ele não estava na empresa após os horários alegados como fim de expediente.
Ele foi condenado ao pagamento de multas por litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da Justiça, cujos valores não foram divulgados.
Assinatura

Um ex-copeiro de restaurante ajuizou ação trabalhista alegando dispensa injusta, negando ter assinado documentos que comprovavam faltas.
Após perícia grafotécnica, ficou comprovado que ele assinou os documentos e apresentou atestado médico fraudado.
Comprovada a má-fé e deslealdade processual, foi negada a justiça gratuita ao trabalhador e ele foi condenado por litigância de má-fé, que inclui multa de 5% do valor da causa (R$ 3.132,04) e pagamento da perícia.
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