Bafômetros no trabalho estão levando a mais demissões
Indústrias aumentam vigilância e descobrem embriaguez quando empregados chegam para trabalhar. Maioria não é por justa causa
Noite de jogo do time do coração. Os amigos reunidos no bar para ver a partida, com tira-gosto e cerveja, fazem o convite, imediatamente rejeitado, pois um profissional sério precisa chegar 100% ao trabalho às 7 da manhã no dia seguinte ao futebol.
Como evitar acidentes faz parte da prioridade, cada vez mais as empresas no Espírito Santo estão aumentando a vigilância com testes de bafômetro, e chegam a demitir funcionários que não passam no teste.
O presidente do Conselho Temático de Relações do Trabalho (Consurt) da Federação das Indústrias do Estado (Findes), Agostinho Rocha, explica que, ao longo dos anos, o consumo abusivo de álcool e outras substâncias tem sido favor relevante na ocorrência de acidentes de trabalho na indústria, o que justifica a adoção de medidas pelas empresas, como é o caso do teste de bafômetro.
“Já há decisões judiciais que reconhecem o teste de bafômetro como uma extensão legítima do poder diretivo do empregador, especialmente em atividades de risco. Mas isso exige respeito a certo princípios, como o teste ser feito de forma geral e impessoal, e de forma privada, sem constranger o funcionário”, enfatizou.
O tema não se limita à indústria e inclui setores como a construção civil, segundo o presidente da presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hoteis (ABIH-ES), Fernando Otávio Campos. Ele explica que, apesar de o tema ser sensível, há risco real quando há uso de substâncias em atividades críticas como direção, operação de máquinas e na construção civil.
“A nova norma regulatória NR-1 prevê que é dever formal da empresa prevenir, investigar e tratar fatores que afetem a saúde e a segurança do trabalhador. Ela não impõe o bafômetro, mas também não a proíbe”, explica.
Segundo Fernando Otávio, falhar no teste de bafômetro pode resultar em demissão, mas há empresas que optam por não utilizar esse fator como motivo para uma demissão por justa causa. Apesar da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) prever a “embriaguez habitual ou em serviço”, a jurisprudência trabalhista reconhece o alcoolismo como doença, o que significa que o tema deve ser abordado com cautela pelas empresas.
“É preciso que seja feito uma avaliação médica e avaliar a proporcionalidade da situação. A justa causa é possível, mas vai depender da gravidade e do conjunto probatório”, explica, citando que, por isso, há empresas que optam por demitir sem justa causa.
SAIBA MAIS
Empresa pode fazer testes de substâncias?
Segundo o advogado trabalhista Leonardo Lage da Motta, o tema é controverso, porque envolve um conflito entre o poder diretivo do empregador (zelar pela segurança, pela produtividade) e direitos fundamentais do empregado (privacidade, intimidade, dignidade).
“Todavia, prevalece o entendimento de que, nas atividades de risco (por exemplo, motoristas, operadores de máquinas, transporte de cargas/passageiros), a exigência de controle de uso de álcool ou drogas é plausível por razões de segurança, desde que observados limites e garantias legais”, afirma.
Vício
Havendo sinais constantes de embriaguez, por exemplo, a empresa pode solicitar ao empregado que faça o exame médico para avaliação de eventual vício, encaminhando-o consequentemente para o tratamento.
Se a empresa optar por aplicar teste de bafômetro ou outra forma de controle, o exame deve ser realizado da forma mais privada possível, devidamente registrado e controlado por pessoa habilitada para tanto.
A psicóloga e diretora de Liderança, Cultura e Diversidade do Ibef-ES, Gisélia Freitas, explica que o exame, deve ser feito de forma impessoal ou por amostragem, evitando-se práticas discriminatórias.
É recomendável que a política interna da empresa seja formalizada e amplamente divulgada antes de exigir o teste.
O posicionamento jurisprudencial já reconheceu demissão por justa causa quando funcionário for flagrado por teste positivo para cocaína e outras drogas durante o expediente, com contraprova e com programa interno de prevenção ativo pela empresa.
Casos
“Café” diferente
Em uma empresa no Espírito Santo, um funcionário costumava levar bebida alcoólica na garrafa de café, para beber durante o trabalho sem ser perturbado.
A situação ocorria normalmente, e o funcionário conseguia enganar seus superiores, até que um deles pediu para beber um pouco de café na garrafa.
A farsa acabou sendo descoberta nesse momento e o trabalhador acabou perdendo o emprego, após recusar tratamento para alcoolismo.
Tratamento
O chefe do RH de uma empresa no Estado, que pediu para não ser identificado, relata que, onde trabalha, um funcionário era conhecido entre os trabalhadores do mesmo escalão por fazer uso de substâncias alucinógenas fora do trabalho.
Por ter bom desempenho e não utilizar em sua jornada, a questão era ignorada. Até o dia em que o funcionário chegou para trabalhar alterado, o que motivou a empresa a convencê-lo a buscar tratamento.
Indenização
As empresas devem ter cuidado na hora de realizar o teste do bafômetro para não constranger os funcionários. Um operador de máquinas pesadas chegou a conseguir, na Justiça, uma indenização de R$ 9 mil, de uma empresa de transporte rodoviário, por conta da falta de cuidado nesse aspecto.
A 7ª turma do TRT da 3ª região entendeu que a exposição diária ao exame diante dos colegas configurou abuso do direito, e que a negligência na manutenção dos veículos colocou o trabalhador em risco permanente.
Pego no flagra
Um trabalhador de uma empresa no Estado foi pego no flagra utilizando cocaína dentro do ambiente de trabalho e acabou demitido, segundo conta um outro funcionário da empresa, que pediu para não ser identificado.
Ele relatou que o trabalhador, que ocupava um alto cargo na empresa, fazia uso contínuo do produto em sua sala, mas acabou sendo flagrado por um de seus superiores e foi dispensado por se recusar a buscar tratamento.
“Outras pessoas faziam uso, mas nunca foram pegas. Na época, houve até preocupação sobre ele delatar colegas”, conta.
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