Médicos artificiais
Crônicas e dicas do doutor João Evangelista, que compartilha sua grande experiência na área médica
Os programas de Inteligência Artificial vêm celebrando sucessos espetaculares nos domínios do cálculo, na composição musical, na escrita de histórias e no diagnóstico médico. Estes progressos levam a especular que o ser humano será em breve substituído em muitos domínios, incluindo a criatividade.
A perda da distinção entre máquinas e seres humanos assusta e fascina. Atendi um jovem, cujo principal sintoma foi reclamar de um colega médico que teria realizado sua consulta utilizando Inteligência Artificial.
Ao permitir que o raciocínio fosse substituído pela interpretação tecnológica, o doutor trocou o “ser” pelo “ter”.
Temos receio que a máquina substitua pessoas, esquecendo que, infelizmente, muitas delas já agem como máquinas.
A IA deve ser vista como uma ferramenta de apoio; não como substituta do profissional de saúde. Ela realmente é eficiente em alguns diagnósticos, mas a prática médica envolve aspectos complexos de empatia, julgamento clínico e tomada de decisão contextualizada.
Tecnologia é essencial em todas as áreas. Não seria diferente na medicina. Tendo a capacidade de processar grandes volumes de dados, identificar padrões e estruturar hipóteses diagnósticas, a IA traz agilidade, revolucionando a maneira como pensamos o cuidado à saúde.
Embora seja tentadora a perspectiva de otimizar e aumentar a eficiência da atenção à saúde, é fundamental reforçar que a IA jamais substituirá a experiência, a ética e o julgamento clínico humano, pilares essenciais para o exercício da medicina.
Doenças, diagnósticos, tratamentos e prevenção, formam conjuntos epidemiológicos fundamentais para que o médico oriente seu caso, e a IA pode ajudar nisso. Mas, cada ser humano é único na sua história, no seu nicho social e nas suas emoções, constituindo um intrincado labirinto, com sutilezas que nunca vão aparecer na máquina e nos prontuários eletrônicos.
O compromisso da IA com a ciência não pode abolir a intuição e a percepção delicada do subjetivo.
É nessa condição que entra o fator humano, a experiência que deve nortear o cotidiano do médico e nele a questão ética. Ignorar este imenso universo em troca da conclusão da IA é penetrar numa obscura caixa preta. A entrada neste sistema com milhões de arquivos, bancos de dados gigantescos e de diferentes origens, computadores e os milhares de programadores e usuários de IA traz para o produto final a possibilidade de agregar grande auxílio, mas também de estar produzindo cenários aleatórios, conduzindo a erros médicos.
A IA oferece um suporte inestimável, pavimentando um caminho. Mas ao médico, autônomo e muitas vezes solitário, cabe a responsabilidade inalienável de apontar o rumo, em um processo extremamente sensível e humano, no qual a empatia, a escuta ativa e a consideração pelos valores e preferências do paciente, nunca serão substituídas por fluxogramas e algoritmos.
Em tempos de “certezas artificiais”, errar continua sendo humano.
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