“Tenho que estudar todos os dias”, diz médica aprovada em 1º lugar na Ufes em 1975
Margarethe Luchi foi aprovada em primeiro lugar no curso de Medicina e relata como foi atuar durante a pandemia da covid-19
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Em janeiro de 1975, Margarethe Luchi teve sua aprovação como primeiro lugar de Medicina anunciada nas páginas do jornal A Tribuna. Com um total de 284 pontos, ela foi a primeira colocada na área II.
Hoje, com 68 anos, 44 anos de formada, dois anos de residência médica e 42 de atuação, a intensivista ainda atua no Espírito Santo, fazendo plantões de 12 horas, três vezes por semana.
“Medicina é uma profissão que temos de estudar todos os dias. Nesses 50 anos, as inovações foram muitas. Não é uma profissão estática. É preciso estudo e atualização”, destaca.
A escolha pela profissão, segundo relata Margarethe, foi sem qualquer influência da família.
Curiosamente, no ano em que passou no vestibular, o Brasil enfrentava uma epidemia de meningite. Na época, foi iniciada a campanha de vacinação em massa para todas as faixas etárias, que começou por São Paulo e rapidamente se espalhou para o Brasil, segundo informações da Fiocruz.
Margarethe só não imaginava que, depois de 40 anos, enfrentaria, em 2020, uma pandemia global que parou o mundo.
Depois de tanto tempo trabalhando, ela não pensa em parar, mas quer agora se dedicar mais a outros prazeres.
“Sair totalmente do hospital me levaria à depressão. A UTI é o meu caminho há 40 anos. Mas quero me dedicar mais à culinária, também cuidar de uma horta e cuidar de um jardim”, contou.
ENTEVISTA | MARGARETHE LUCHI, 1º LUGAR EM MEDICINA EM 1975
A Tribuna - Conte um pouco como foi sua preparação para o vestibular.
Margarethe Luchi - Foi uma luta como é até hoje! Tinha menos concorrência que hoje, mas eu sempre gostei muito de estudar.
Fiz meu fundamental na Escola Maria Ortiz que, apesar de pública, era uma escola excelente e tinha professores até que trabalhavam na universidade. Isso só foi aumentando o gosto pelo estudo. No segundo grau, eu fui para o Marista e no terceiro ano, pré-vestibular, cursei no Salesiano, que preparava muito bem. Tive ótimos professores.
Eu também estudava com duas amigas durante o dia e à noite íamos para o cursinho. Foi assim o ano inteiro. Não estudava para morrer, mas com regularidade.
O que te motivou a ser intensivista?
Fiz residência em clínica. Comecei fazendo cardiologia, quando a terapia intensiva ainda estava engatinhando. Comecei a ir aos congressos e me interessar, porque é uma clínica médica de paciente grave, e temos de estudar de tudo, como neurologia, cardiologia, pneumologia, gastroenterologia e nefrologia. É geral. Cuidamos do doente como um todo.
Dava muito prazer em ver esses pacientes graves melhorarem, indo ter uma vida normal. Fiquei na universidade até 2015, quando me aposentei, depois de 32 anos trabalhando nessa área. E continuo trabalhando até hoje, mesmo depois de aposentada.
Qual foi maior desafio que já enfrentou?
O meu maior desafio mesmo foi na época da covid-19. Eu nunca tinha enfrentado uma pandemia, tudo era novo e foi muito forte para o mundo inteiro. A mortalidade foi altíssima. Nas UTIs, chegava a morrer 90% dos pacientes. Foi muito pesado passar por essa época.
Pensa em se aposentar dos plantões?
Já me afastei à noite. Durante o dia levo muito bem. Sair totalmente me levaria à depressão. A UTI é o meu caminho há 40 anos, eu entro de olhos fechados.
Apaixonada pela profissão escolhida
No ano de 2002, o vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) teve, pela primeira vez, dois primeiros colocados gerais: Paulo Franklim Maia Ralkim Ferrua (Paulinho), na época com 20 anos, aprovado em Engenharia Elétrica, e Flávia Silva Braga, na época com 18, aprovada em Medicina. Os dois obtiveram 753 pontos. A pontuação máxima era de 900.
A reportagem até tentou contato com o Paulo, mas não conseguiu localizá-lo. Já Flávia, hoje com 40 anos e morando em Campos, no Rio de Janeiro, é radiologista intervencionista das mamas.
“Posso dizer que sou completamente apaixonada por essa área. Minha profissão é parte da minha identificação e a paixão é a tal ponto que inúmeras vezes a remuneração é mais emocional que financeira, por mais démodé que isso pareça. Porém, não foi sempre assim”, conta.
“Só fui entender o que realmente é o prazer de se trabalhar com o que se ama quando me especializei. Até lá, o caminho foi longo: seis anos de Medicina e três de Radiologia. Só após isso fui para a Universidade de São Paulo fazer a especialização em radiologia mamária e foi quando realmente vi que tinha acertado a escolha”.
A médica lembra bem dos momentos de preparação até o vestibular. “Sempre gostei de estudar. Isso não era um problema, mas o estresse e a pressão são muito grandes nessa fase. Eu estudava a maior parte do meu tempo, mas reservava algum momento para a vida social e para o balé, que eu fazia na época. Mas não tem segredo: foi muita dedicação e estudo”.
A escolha pela Medicina, segundo Flávia, significava uma mistura de muitos sentimentos. “Representava um desafio, porque todos diziam que era um curso muito difícil, desde o vestibular até a aposentadoria. Também eu achava que a medicina poderia me dar boas possibilidades de trabalho. Além disso, eu tinha um enorme interesse em entender o corpo”.
Planos para o futuro? Flávia tem de sobra. “Acredito que não podemos nos acomodar. A medicina boa e bem feita nem nos permite isso. A ciência está sempre nos desafiando a acompanhá-la e o bom médico deve estar atento a essa demanda”.
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