Pesquisadora de história das emoções: “A vida a 2 não está com os dias contados"
Especialista acredita que é impossível viver sozinho e que namorar ou casar faz as pessoas se sentirem especiais
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As relações amorosas viveram profundas transformações nas últimas décadas, principalmente com a disseminação da informação e com as novas dinâmicas de relacionamentos. Apesar das mudanças, a tradição do casamento e a vida a dois não estão com os dias contados.
É o que defende a escritora e doutoranda em História na Universidade de Rochester, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, Márcia Esteves Agostinho.
Em seu recém-lançado livro “Por que casamos? Sexo e amor na vida a dois”, a pesquisadora apresenta múltiplas perspectivas de diferentes áreas do conhecimento sobre o matrimônio.
Em uma conversa sobre o futuro da vida a dois, Márcia Esteves Agostinho, irmã da atriz Adriana Esteves, defende, inclusive, que a vida a dois faz parte da preservação emocional humana.
A Tribuna – O amor vem passando por transformações relevantes nos últimos anos. Ouço dizer que não existe mais pedido de namoro. Vivemos uma era de medo do amor?
Marcia Esteves Agostinho – Eu não sei se poderia dizer que é medo de amar ou medo de assumir responsabilidade. Amar é um compromisso, ou seja, parte do pressuposto de que há responsabilidade envolvida. Então, podemos dizer que as pessoas estão tendo certo receio de amar.
Casar mais tarde se tornou uma tendência. Como você interpreta essa mudança?
Temos algumas hipóteses. Uma delas é de que a adolescência está durando mais. Antes, você se tornava adulto com 18 anos. Hoje, com 25, 27 e até 30 anos, você ainda não é independente financeiramente e ainda tem de morar com seus pais. Tenho a impressão de que houve um atraso na vida adulta. E, nesse processo, atrasou-se também o momento do casamento.
Casar é coisa de adulto, de gente grande, e pressupõe que você consegue se sustentar e sustentar a família que se forma, mesmo que o casal não tenha filhos. Numa época em que há maior escolaridade, pelo menos, quatro anos da vida será como estudante, até entrar para o mercado de trabalho. Todo esse processo macroeconômico acabou levando também a um adiamento do casamento.
No Brasil, um em cada três casamentos acaba em divórcio. Como você interpreta isso?
O casamento, no Brasil, funciona mais do que em outros países. Grande parte da nossa bibliografia, da literatura sobre o assunto, vem da língua inglesa. Nos países anglófonos (que falam inglês), as estatísticas variam um pouco.
Cerca da metade ou de um terço dos casamentos se mantém. Lá, é o inverso daqui. Então, uma vez que consumimos tanto a literatura norte-americana, começamos a importar padrões de raciocínio ou falsas ideias sobre o casamento, que, na verdade, não se aplicam a uma realidade brasileira.
O esforço que eu faço no livro é adaptar essas informações globais para mostrar como é a cultura de cada lugar e de cada povo. Dizer que o casamento está fadado a acabar não se aplica ao Brasil.
Nós temos um estilo de vida familiar diferente dos países anglófonos. Por exemplo, lá, há quase uma pressão social para, quando completar 18 anos, sair de casa.
Todo casamento tem crise. Só que, quando você tem o apoio de outras pessoas em volta, como parentes e amigos de infância, você não precisa tentar resolver a crise só com o seu cônjuge.
A pessoa tem apoio e isso reduz muito a crise conjugal, já que grande parte dela, hoje, não é verdadeiramente conjugal: é porque a vida é difícil mesmo. Temos um monte de perrengues e, quando só há o marido ou a mulher para nos ajudar, pode ficar pesado demais.
Há, ainda, uma diferença no percentual de divórcios entre as grandes capitais ou os estados centrais, mais urbanos, em relação aos estados do Centro-Oeste, por exemplo. A vida urbana também dificulta a saúde do casamento.
O que mais desgasta a convivência a dois?
O trabalho rotineiro e a dificuldade de manter uma casa – tanto as tarefas domésticas, a comida, quanto o dinheiro para ter os bens materiais e as contas. É preciso resolver todas as questões de subsistência e isso causa muito estresse. Quando tem filhos, então, complica.
Nós vivemos um momento de hipervalorização do individualismo. Isso pode ser um desafio à tradição do casamento?
O casamento é uma tradição em todas as culturas. Você pode chamar o nome que quiser, existe uma parceria entre um homem e uma mulher para gerar crianças que se tornem adultos funcionais. É assim que a humanidade evolui.
Então, é um comportamento de uma importância coletiva absurda. Quando você está falando de uma cultura mais individualista, onde o indivíduo se coloca em primeiro lugar frente à coletividade, fica mais difícil suportar os sofrimentos e as pressões do dia a dia.
Então, indo para o ponto de vista individual, ser feliz é o primeiro objetivo de vida das pessoas individualistas. Elas têm mais dificuldade em manter um casamento. Paradoxalmente, essas são aquelas que acabam sendo mais infelizes.
Há um tipo de relação natural ao ser humano? Ou seriam a monogamia e a não monogamia construções culturais?
Tudo na nossa vida é um misto de natureza e cultura. Tudo é construção cultural e, ao mesmo tempo, é natureza. São coisas interligadas. Isso vale para a vida e, também, para os relacionamentos.
O que podemos esperar, então, do futuro das relações amorosas?
Elas vão estar sempre em transformação porque a vida está sempre se modificando.
As relações de todos os tipos se transformam de acordo com esse equilíbrio entre a cultura, que vai mudando, e um corpo, que demora muito mais a mudar. Isso, às vezes, torna a coisa mais difícil porque a gente já tem uma cabeça do século 21, mas o nosso corpo é o mesmo de 10 mil anos atrás.
Essa adaptação do comportamento, do sentimento, das sensações aos novos modos de vida, é que vão estar sempre acontecendo. É a transformação que vai durar enquanto existir o ser humano.
Mas, independentemente desse futuro, a vida a dois não está com os dias contados, certo?
De jeito nenhum! A vida a dois não está com os dias contados. É impossível viver sozinho. Mesmo se considerar que muitos casais, hoje, não querem ter filhos. Muitos dizem que não precisam se casar ou namorar, só que precisam, sim. Nós precisamos nos sentir especiais. Isso faz parte da nossa preservação emocional.
Então, sempre virá a vida dois. Agora, como ela vai ser, qual o modelo, como ela vai ser estruturada? Isso, eu não sei. O futuro nos dirá.
Será que o amor romântico vai ter um fim?
O amor romântico também se transformará. Ele já teve altos e baixos ao longo da história. Agora, eu acredito que ele está em um momento que tende a atrapalhar o equilíbrio necessário na vida das pessoas. É possível que ele caia um pouco em importância, que as pessoas não tenham uma expectativa tão alta, mas não quer dizer que lá para frente ele não retorne. Isso muda conforme a forma de vida, no longuíssimo prazo.
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