Pais pagam até R$10 mil em dívidas dos filhos em jogos pela internet
Especialistas revelam que tem aumentado a procura por tratamento para adolescentes, jovens e até crianças viciadas em games
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Na palma da mão ou em telinhas, crianças, adolescentes e jovens têm embarcado em um universo virtual que permite entretenimento e diversão, mas também pode ser a porta de entrada para a dependência em jogos on-line.
Junto à essa dependência, pais têm sido surpreendidos com um outro problema: pagar dívidas feitas pelos filhos com compras de jogos e apostas em cassinos on-line. Os valores variam, mas há casos de pagamento de até R$ 10 mil.
No dia a dia nos consultórios, é notório o aumento de casos. A psiquiatra infantil Fernanda Mappa, por exemplo, conta que o uso de eletrônicos tem sido cada vez mais em idade precoce.
O perigo não se restringe à dependência de eletrônicos. “Também estamos vivenciando um aumento de demandas por conta de dívidas decorrentes de gastos em jogos on-line, muitos deles de forma descontrolada, gerando dívidas a serem pagas por pais”.
Ela conta que geralmente as compras são realizadas por meio de cartão de crédito. “Em um dos casos que acompanho, os pais pagaram R$ 10 mil de dívidas”.
Há casos também em que os filhos usam o dinheiro da mesada e até deixam de comer.
Paula Santos, psicóloga infantojuvenil, cita um caso em que os pais foram surpreendidos na fatura do cartão de crédito com compras dentro de jogos on-line. O comprador, um estudante de 8 anos.
“Eu não tenho detalhes do valor e tipo de jogo, pois a família não veio por causa disso. A gente já estava em terapia trabalhando a dificuldade da criança em cumprir normas e regras e aproveitamos para trabalhar em cima disso também”.
De forma leve e com muita orientação, ela disse que obteve ótimo resultado. “Eu trabalho com a disciplina positiva, não punitiva. Com muito diálogo, ensinamos que aquilo (comprar jogos) não pode”.
Algumas vezes os pais deixam de comprar algo ou de levar a criança em determinados locais por causa do dinheiro que elas gastaram com jogos. “Mas isso é feito de forma respeitosa, para a criança entender que o dinheiro que gastou já estava destinado para ser usado em outras situações”.
"Quitei e ele voltou a se endividar", diz advogada e mãe de estudante
Um estudante de Medicina, de 24 anos, se viu diante de uma dívida de cerca de R$ 10 mil, adquirida com jogos em cassino on-line.
A primeira dívida, os pais pagaram, sob a garantia de que o problema não voltaria a acontecer, como contou a mãe do jovem, uma advogada de 51 anos, à reportagem de A Tribuna.
Só que a promessa não foi cumprida e, 20 dias depois, ele se viu novamente atolado em uma nova dívida. Desta vez, de R$ 5 mil.
Diferente da primeira vez, os pais decidiram não pagar. Deram uma missão para o filho de gerenciar os aluguéis de uma casa de veraneio em troca de comissões até quitar a dívida.
A Tribuna - Com quantos anos seu filho começou a jogar?
Advogada - Ele começou a jogar com 14 anos. Eram jogos on-line, mas sem nenhum cunho comercial, nada de dinheiro. Era um jogo altamente viciante. Os anos foram passando e ele continuou.
Os jogos atrapalhavam muito as tarefas cotidianas, eram campeonatos. Ele deixava até de se alimentar, de estudar, deixou de se socializar com amigos em função do jogo. À época, buscamos ajuda médica e psicológica para que ele diminuísse o ritmo dos jogos.
- Quanto tempo ele ficava jogando?
Se deixasse, ficava oito, nove horas por dia. O tempo livre que tinha era jogando. Realmente é algo viciante. Eu tive que colocar outras atividades, coisas lúdicas, atividades extras para ele diminuir o ritmo.
- Diminuiu?
Diminuiu, mas nunca parou, até que veio o prejuízo financeiro. Aos 19 anos, ele começou a namorar, deu uma amenizada, mas nos momentos livre, voltava para o jogo.
- Com que dinheiro ele pagava os jogos?
Inicialmente, mesada. Por mês, ele recebia R$ 1 mil, que era para custear algumas despesas, como alimentação e momentos de lazer.
- E a dívida, como vocês descobriram?
Foi em abril deste ano. Ele usou toda a mesada e pediu mais dinheiro. Adiantei a mesada e mesmo assim não foi suficiente. Em três dias, foi a mesada toda e ele veio se abrir comigo, disse que estava altamente viciado.
- O que ele disse?
Ele contou que começou a jogar no início do ano em apostas em cassino on-line. Ele admitiu que jogar libera um neurotransmissor chamado dopamina, mas revelou que estava entrando em depressão.
Meu filho contou que fez um cartão de crédito que liberava até R$ 1 mil por mês e quando ele viu, em menos de dois meses estava atolado em uma dívida de R$ 10 mil.
O jogo é viciante, permite ganhar no começo, mas é feito para perder depois. Foi ali que o meu filho se desesperou.
- O que tem feito para ajudá-lo?
Apoio. Recorri à terapia, acompanhamento com psiquiatra, psicólogos, peguei licença do trabalho para ajudar no tratamento dele. É o último ano de faculdade.
Ele disse que estava muito mal e me pediu ajuda para saldar as dívidas e virar a página.
- Quitou a dívida?
Sim, em julho. Ele diminuiu nos jogos e prometeu que não entraria mais no cassino on-line, só que infelizmente não durou 20 dias. Fez dívida de novo. Mais R$ 5 mil. Eu fiquei muito revoltada e dei uma surra de cinto. Cheguei no auge do desespero de mãe.
- Pagou novamente a dívida?
Não quitei. Agora, o pai dele o colocou para trabalhar, tomar conta dos aluguéis de veraneio da nossa casa de praia. Ele controla tudo pelo celular e com parte do dinheiro que arrecada, vai abatendo a dívida.
- Ele concordou? Parou de jogar?
Ele está bem tranquilo. No cassino on-line, eu acredito que ele tenha parado, espero que tenha parado. Mas nos outros jogos on-line ele continua, mas eles não trazem prejuízo financeiro.
A minha preocupação é que ele, no futuro, gaste o dinheiro que irá ganhar na profissão com apostas. Farei de tudo para ajudá-lo a se libertar desse vício. No fundo, acho que ele se envergonha um pouco, é uma sensação de fracasso, imagino eu. É um drama, é um fantasma perseguindo a gente.
- Antes, como ele era?
Ele sempre foi um menino muito bom, inteligente. Gostava de sair, era muito sociável, risonho, brincalhão, mas se tornou um jogador compulsivo. A sensação que eu tenho é de impotência.
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