Pais agredidos pelos filhos após proibir uso de celular
Especialistas acreditam que jovens ficam viciados em redes sociais e que os pais concedem acesso a novas tecnologias, sem estabelecer limites claros
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Era uma tarde de sábado. Imagens impressionantes mostram moradores colocando colchões embaixo da janela de um apartamento para que os vizinhos conseguissem se salvar. Um casal pulou do quarto andar, enquanto chamas tomavam conta do imóvel, em Patos de Minas, Minas Gerais.
Quem teria ateado fogo no sofá da casa dos avós era a neta de 11 anos. À polícia, o avô da criança contou que ele e a mulher estavam deitados no quarto quando a menina entrou e pediu para usar o celular. Porém, ele não autorizou.
Então, a menina disse que ia para o pátio para andar de patins e, um tempo depois, eles sentiram cheiro de fumaça. Ao tentar sair do quarto, viram que a porta estava trancada por fora. Para escapar, tiraram a tela de proteção da janela e pularam.
No Estado, pais têm pedido ajuda a médicos e especialistas em segurança digital após serem agredidos e ameaçados por tentar controlar o uso de celular ou computador.
A médica psiquiatra Janine Moscon contou que um estudante de 15 anos, filho único, foi levado pela mãe para consulta por estar viciado no computador e no celular. Ele começou a usar eletrônicos com mais frequência a partir dos 13 anos.
À médica, a mãe contou que o pai trabalhava viajando e que ela, sozinha, cuidava do filho na maior parte do tempo. O menino estudava no período da tarde e o restante de seu tempo ficava no computador ou no celular. Não tinha amigos, não namorava, não saía de casa, não praticava esportes e não interagia com a mãe.
“Como ele não respeitava os combinados com a mãe quanto ao horário de encerrar o uso de eletrônicos e dormir, um dia a mãe desligou o roteador da casa. O adolescente, tomado por fúria, agrediu fisicamente a mãe, que chegou ao consultório com hematomas nos braços. Iniciamos o tratamento para dependência de internet”.
Eduardo Pinheiro, especialista em segurança digital, que é procurado para orientar famílias em situações semelhantes, diz que o problema principal está no fato de os pais concederem aos filhos acesso a novas tecnologias, sem estabelecer limites claros ou implementar mecanismos de controle.
“Consequentemente, com o passar do tempo, quando notam que seus filhos desenvolveram vícios, a situação já está fora de controle, até mesmo com casos de agressões e enfrentamentos”, finalizou Pinheiro.
Entenda
Quais são os sinais?
A médica psiquiatra Janine Moscon citou alguns sinais de crianças e adolescentes que podem indicar que é hora de procurar ajuda. São eles:
Quando não conseguem ficar sem acesso a dispositivos, não desligam o celular nem na hora da refeição;
Apresentam irritabilidade;
Dormem tarde e têm dificuldade em acordar pela manhã;
Têm queda no rendimento escolar;
Se isolam, se distanciando dos amigos e do convívio social, ficando só no quarto;
Têm sedentarismo.
Qual a idade ideal para ter acesso às ferramentas digitais?
Evelyn Eisenstein, coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde na Era Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), orienta:
Menos de 2 anos, nada de telas, atrapalha o desenvolvimento da fala;
Dos 3 anos a 5 anos, a recomendação é meia hora por dia. Mas atenção: desenho animado com uma classificação livre;
A partir daí, é idade escolar. Mas ela avisa: “Celular não é brinquedo. Nós estamos falando sobre o uso com segurança, privacidade, regras”.
Quais são as regras?
Eduardo Pinheiro, especialista em segurança digital, preparou algumas regras, entre elas:
Estabeleça Limites de Tempo - Defina limites diários ou semanais para o uso de dispositivos móveis. Isso pode ajudar a equilibrar o tempo gasto em outras atividades;
Crie Zonas Sem Celular - Designe áreas da casa onde o uso não é permitido, como mesa ou quarto;
Promova Atividades ao Ar Livre - Incentive atividades ao ar livre e esportes que afastem as crianças dos dispositivos eletrônicos;
Dê o Exemplo - Os pais devem limitar seu próprio uso de smartphones, mostrando que há momentos em que é importante desconectar;
Use Controles Parentais - Utilize aplicativos que permitem monitorar e limitar o tempo;
Esteja Consciente das Redes Sociais - Eduque seus filhos sobre os riscos e desafios das redes sociais, como o cyberbullying, e a importância de manter a privacidade.
Fonte: Especialistas consultados.
Opiniões
Fisioterapeuta - 46 anos
“Meu filho quis me enfrentar, me bater”
Impotência. É essa palavra que uma fisioterapeuta de 46 anos resume o momento desafiador que está passando com o seu filho, um estudante de 14 anos.
Ao tentar impor limites e pedir que o filho saísse um pouco do computador, o menino avançou e tentou bater na mãe.
A Tribuna – Quando começou a enfrentar problemas?
Fisioterapeuta – As coisas começaram a piorar depois da pandemia, quando os meus filhos passaram a ter mais acesso a internet, tudo da escola é pela internet. O que acontece? Se deixar, o meu filho de 14 anos fica 24 horas no computador ou no celular.
Ele chega da escola e já vai correndo para o computador em vez de tomar banho, engole a comida e, às vezes, tenho dificuldade para fazer com que ele escove os dentes.
Uma vez, aqui em casa, ele quis me enfrentar, me bater, quando eu pedi a ele para sair do computador. Ele fica agressivo comigo, tem mentido.
Ele fala que está estudando, mas só fica jogando, falando com pessoas que eu não conheço. Ele está muito irritado, fica agressivo com a irmã, de 13 anos e, às vezes, bate nela.
- O que tem feito para tentar dar um basta?
Estou muito angustiada, me sentindo impotente e a solução que eu vejo hoje é buscar ajuda de um profissional especialista nessa área de TI para bloquear os acessos do meu filho e eu ter acesso a tudo o que ele entrar, acessar.
Isso está atrapalhando todas as áreas da vida dele, como o nosso relacionamento aqui em casa. O desempenho escolar dele está muito ruim, correndo o risco de ficar reprovado.
- Como foi a tentativa de te bater? Ele é agressivo sempre?
Ele grita comigo, fala palavrão, me xinga. É de doer. A minha filha também fica muito no tablet, às vezes grita comigo também, mas ela é obediente.
Sobre a agressão, eu pedi a ele para sair da internet e ele não saiu. Eu o puxei e ele avançou em cima de mim e me segurou. Eu fiquei muito chateada, nervosa e tem hora que você acaba deixando para lá para não se estressar e não arrumar problema, se sente tão impotente que acaba cedendo para não arrumar mais confusão e briga.
Mas eu não vou desistir, estou tentando reverter isso. Vou procurar um psicólogo para ajudá-lo e tento dialogar com ele, falando dos riscos da internet.
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