“Inclusão de pessoas com deficiência não é favor”, diz fisioterapeuta
Fisioterapeuta e mãe de menino com síndrome rara e Transtorno do Espectro Autista fala sobre sua luta para garantir inclusão social
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A maternidade é uma luta constante. Para algumas mulheres, contudo, as preocupações maternas são ainda maiores. É o caso, por exemplo, das mães de crianças, adolescentes e adultos com deficiência. Apesar da ampliação do debate sobre os direitos dessas pessoas, a sociedade ainda falha em garantir a inclusão social, diz especialista.
A fisioterapeuta e palestrante sobre capacitismo Leila Donária, mãe de um menino que vive com uma síndrome rara e com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), aponta as necessidades tanto das pessoas com deficiência quanto das mães atípicas. “Inclusão não é favor, é necessidade!”, manifesta.
A Tribuna - Como é ser uma mãe atípica no Brasil?
Leila Donária - Ser uma mãe atípica no Brasil é sinônimo de luta. Precisamos lutar muito para que os nossos filhos tenham os direitos garantidos, mas, ao mesmo tempo, é sinônimo de transformação. Sem dúvidas, a minha vida foi transformada depois de poder conviver com meu filho, que é uma pessoa com deficiência e que costumo chamar de ‘meu professor da vida’. Tudo difere em uma maternidade atípica.
Nenhuma maternidade deve ser comparada, pois cada uma tem os próprios desafios, mas quando falamos de uma criança com deficiência, com uma síndrome ou com transtornos, estamos falando de uma vida que é toda modificada.
Todo mundo idealiza um filho, mas quando ele nasce com deficiência, nasce o filho real, que dificilmente foi idealizado. Precisamos passar pelo processo de deixar esse filho que idealizamos e olhar para o nosso filho real.
- Dizem que, junto ao filho, nasce uma mãe. No caso da maternidade atípica, essa construção da maternidade possui especificidades?
A maternidade atípica possui suas especificidades. Enquanto algumas famílias estão levando os filhos ao balé, ao reforço de Matemática e à natação, muitas vezes nós, mães atípicas, estamos levando nossos filhos nas terapias, na fonoaudióloga e na fisioterapeuta.
A inclusão escolar é uma luta muito específica da parentalidade atípica. Os nossos filhos têm suas matrículas negadas, têm dificuldade em ter um programa educacional individualizado, e precisamos lutar por isso.
Ao mesmo tempo, nossos filhos são crianças como quaisquer outras e é preciso naturalizar isso. Eles merecem brincar e estar em quaisquer lugares que as crianças estão.
- Qual é a importância da rede de apoio para uma mãe atípica?
Hoje, só posso trabalhar porque eu tenho uma rede de apoio. Ela é fundamental porque quando nós falamos de uma parentalidade atípica, há um filho que precisa de cuidados, mas também há uma mãe que precisa de cuidado. Se você pode ser rede de apoio de uma mãe que tenha uma criança com deficiência, seja.
- É importante que a mãe atípica não perca o olhar sobre o próprio bem-estar?
Esse cuidado da mãe, esse olhar para si mesma, é muito importante. Precisamos tomar cuidado porque, muitas vezes, essas mães atípicas, de fato, não têm rede de apoio, nem tempo de ir ao banheiro sozinhas. É preciso que isso não seja uma cobrança, mas, sim, que seja uma forma de ter tempo para si. A sociedade precisa olhar para as necessidades dessas mães.
- A população, em geral, não está familiarizada a conviver com crianças com alguma deficiência. Isso está melhorando?
Eu acredito que sim, está melhorando, mas há muito o que se fazer. A inclusão precisa acontecer nas mais diferentes esferas, e isso começa na escola.
Infelizmente, não é difícil encontrar escolas excluindo alunos já na matrícula, não conseguindo incluir, de fato, esse aluno dentro das necessidades específicas. A nossa lei brasileira de inclusão é de 2015. Grandes avanços têm acontecido e o movimento das redes sociais é muito importante.
Nossos filhos precisam ocupar todos os lugares, devem estar onde quiserem estar, mas é preciso que a sociedade entenda que a inclusão não é um favor, é uma necessidade.
- Quais ações precisamos tomar para garantir qualidade de vida às crianças atípicas?
Eu acho que uma das piores barreiras que enfrentamos são as atitudinais, que são aquelas de atitudes do outro. Quando, por exemplo, um pai e uma mãe acham que, ao colocar o filho deles para brincar com o meu filho, a criança pode ser prejudicada. Isso é uma barreira atitudinal.
Muitas mudanças podem ser feitas, como as questões de acessibilidade nas calçadas, a inclusão de rampas, que mais e mais lugares tenham tradução em Libras, que mais pessoas façam suas descrições visuais, mas muito mais do que isso, é que as pessoas mudem a atitude. Não adianta existir um lugar completamente acessível se a pessoa não souber acolher, ter empatia e entender o que é inclusão.
- Hoje, como mãe atípica, qual é o seu maior medo em relação à criação e à educação do seu filho?
Eu não diria que tenho medo, até porque tenho aprendido a não pensar muito no futuro. Quero muito ter saúde para estar ao lado do meu filho o máximo de tempo possível, mas eu tenho esperanças de que nós possamos construir uma sociedade mais justa, igualitária, em que as pessoas consigam, de fato, olhar o outro integralmente, olhar a pessoa e não apenas a sua deficiência.
- De onde surgiu a sua vontade de construir uma plataforma de conhecimento sobre inclusão e capacitismo?
Eu comecei nas redes sociais para tentar mudar a comunidade em que eu vivia, falando sobre os preconceitos que eu vivia com meu filho nos parquinhos que eu frequentava com ele. De repente, as pessoas começaram a gostar.
Recebi uma mensagem de uma médica do interior da Bahia em que ela me agradecia porque ela desconstruiu um preconceito e viu que o diagnóstico não define nada. Quando recebi essa mensagem, entendi que eu poderia falar com mais e mais pessoas e ser uma voz para que a inclusão possa acontecer.
Perfil
Leila Donária é fisioterapeuta especializada em Ciências Fisiológicas, com residência em Fisioterapia Pulmonar pela Universidade Estadual de Londrina, no Paraná. É também mestre em Ciências da Reabilitação, pela mesma instituição.
Mãe de “Gabinho”, um menino que tem uma síndrome rara e Transtorno do Espectro Autista (TEA), e de Bia, uma menina que “nasceu” para ela aos 9 anos pela via da adoção, a fisioterapeuta se tornou uma das maiores palestrantes nacionais sobre capacitismo, diversidade, equidade e inclusão.
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