Pacientes de manicômio vão ser soltos no ES
Com o fim do manicômio judiciário previsto para o dia 28 de agosto, 57 pacientes vão ser liberados
Escute essa reportagem
Internados no manicômio judiciário – única Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP) que será fechada –, 57 pacientes com medida de segurança serão soltos.
Nos crimes praticados por eles estão homicídios, lesão corporal, roubo e ameaça, segundo a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), que administra a UCTP.
A medida está sendo adotada com base em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de fevereiro do ano passado, que instituiu a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, adequando à atuação da Justiça às normas nacionais e internacionais de respeito aos direitos fundamentais das pessoas em sofrimento mental ou com deficiência psicossocial em conflito com a lei.
Na prática, como ressalta o secretário de Estado da Justiça, Rafael Pacheco, está o lado humano de que essas pessoas que estão internadas não vivam mais em um rito de prisão.
Ele conta que a pasta já vem trabalhando o processo da desinternação há algum tempo, em conjunto com os demais órgãos envolvidos, para cumprir o prazo estabelecido para o fechamento da unidade.
Joania Chiabai, diretora-adjunta da unidade, explica que a data para fechamento está prevista para 28 de agosto.
“No entanto, os pacientes que já estão estabilizados e fazendo o Laudo de Cessação de Periculosidade, no qual o perito forense verifica se há possibilidade do paciente continuar o tratamento ambulatorial. Sendo assim, após peticionar no processo o laudo, eles recebem a carta de desinternação”, explicou.
Ainda segundo ela, os pacientes que possuem acolhimento familiar retornam para suas casas, sendo os familiares orientados sobre a necessidade da continuidade do tratamento.
Já os pacientes que não possuem acolhimento, permanecem aguardando vaga em Residência Terapêutica (Secretaria de Estado da Saúde), se tiver diagnóstico de transtorno mental. E caso tenham diagnostico de retardo mental, aguardam vagas para o serviço de residência Inclusiva (Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social).
“Atualmente temos oito pacientes desinternados aguardando vaga nesses serviços”, contou Joania Chiabai.
Complicado
Entre os casos considerados mais complicados, está o de um homem de 69 anos. Ele foi internado em 1979, ainda no antigo Hospital Adauto Botelho.
“Já foi feita a desinternação dele outras vezes, mas ele retornou em decorrência do seu perfil comportamental”, finalizou Joania Chiabai.
Ressocialização familiar
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou que em julho de 2023 foi estabelecida uma portaria conjunta com pastas e órgãos criando um grupo de trabalho para alinhar formas de realizar o processo de desospitalização por meio de equipes de avaliação e acompanhamento multidisciplinar.
Cada caso será avaliado e os pacientes encaminhados para ressocialização familiar, residências terapêuticas ou residências inclusivas, de acordo com seu perfil clínico.
A Sesa reforça que a reforma psiquiátrica no Brasil (Lei 10.216, de 2001) tem como marca registrada o fechamento gradual de manicômios em todo o País, e que a Lei Antimanicomial, que promoveu a reforma, tem como diretriz principal a internação do paciente somente se o tratamento fora do hospital se mostrar ineficaz.
Tire suas dúvidas
1- Não há risco de soltura dessas pessoas?
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) explicou que em situações de não-internação, essas pessoas passam pelo tratamento ambulatorial e são acompanhadas pelo Judiciário em postos de saúde, por meio de equipes multidisciplinares.
Ainda segundo o CNJ, diversos países e o próprio Brasil vêm reduzindo a quantidade de pessoas em hospitais de custódia (eram 3.989 pessoas nessa situação no País, em 2011, e, em números recentes, são 1.987 pessoas, em 2022).
Com a Resolução do CNJ, o que se está exigindo do Estado é um novo olhar para a necessidade de que esse tratamento seja especializado e, principalmente, que o local de internação de pessoas que precisam ser retiradas do convívio social aconteça e se realize em um lugar adequado. Um hospital, em ala de segurança, mas não em um presídio.
“Portanto, a internação daquele que não tem condições de estar em liberdade não está sendo cancelada pela Resolução. Apenas o lugar, um equipamento de saúde efetivo, com todas as restrições devidas e os cuidados necessários, é que está sendo revalidado e passará a ser exigido, não se confundindo com o mesmo espaço de saúde daqueles que estejam internados e não praticaram nenhuma infração penal”.
Em outras palavras, segundo o CNJ, cada caso deve ser analisado com suas especificidades, e a internação nos casos em que a pessoa com transtorno mental praticou crime grave e com comportamento antissocial ainda segue como uma opção, nas situações em que a equipe de saúde, incluídos médicos, psicólogos e assistentes sociais, entendam ser essa medida necessária, quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. A Resolução repete, portanto, os termos da Lei 10.216, que é de 2001, sem trazer novidades para a disciplina do assunto”.
2- Essas pessoas poderão circular pelas ruas normalmente?
O CNJ garante que essas pessoas continuarão o respectivo tratamento, em lugares apropriados, e não mais em celas, como acontece hoje em dia. Seguirão acompanhadas, sob vigilância e cuidado médicos específicos, inclusive com restrição da própria liberdade, se necessário for, pelo juízo da execução da medida de segurança, até a extinção do tratamento, o que não tem prazo para acontecer e só será levantado quando o tratamento for finalizado.
“a Resolução reforça a determinação sobre a necessidade de elaboração de um Projeto Terapêutico Singular (PTS) para cada pessoa, para cada caso, permitindo que o acompanhamento seja feito pelos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e de outras políticas de saúde, socioassistenciais e de direitos humanos, com a participação da equipe multidisciplinar do Judiciário que acompanha a medida de segurança, pelas equipes conectoras do Sistema de Saúde, e pelo próprio juiz da execução.
Nesse sentido, como destaca o CNJ, sempre que necessária para o tratamento de saúde e pelo tempo que for preciso, a internação poderá ser indicada pela equipe de saúde da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), para os casos mais graves e que exigem a contenção de liberdade, mas deverá ser realizada em locais adequados: em alas de segurança hospitalar, e em espaço distinto daquele ocupado por outros pacientes, mas não mais em celas, sempre acompanhada de outros tratamentos de saúde estruturados e terapias apropriadas.
3- E se cometerem outros “crimes”, como fica a situação?
A partir da análise de cada caso, pelo juízo e pela equipe multidisciplinar respectiva, pessoas em transtorno mental, que tenham cometido crimes graves, seguirão com tratamentos obrigatórios ofertados pelo sistema de saúde, de acordo com as suas necessidades em saúde, e como parte do seu PTS, em regime de internação ou de liberdade, conforme o caso e a prescrição médica que lhe seja apropriada.
As decisões que devem ser tomadas pela área de saúde, incluídas aquelas da área médica, para definir uma internação ou um tratamento laboratorial não foram objeto da Resolução. Pelo contrário, a Resolução se destina ao Judiciário, para fazer com que o juízo competente observe aquilo que está sem seu escopo de atuação, não adentrando em avaliações de outras áreas.
Fonte: Conselho Nacional de Justiça.
Comentários