Mais de 300 mudam de nome e gênero no ES
A alteração pode ser feita em cartório, sem a necessidade de procedimento judicial e nem cirurgia de redesignação sexual
Escute essa reportagem
Um direito com uma importância social e pessoal incontestável. O nome – e também o gênero – podem ser modificados em Cartório de Registro Civil, sem a necessidade de procedimento judicial e nem cirurgia de redesignação sexual há cinco anos.
LEIA TAMBÉM
Brasil registra recorde de mudança de nome e gênero em 2022
Justiça ordena que IBGE inclua identidade de gênero e orientação sexual no Censo 2022
MPF pede que Ufes libere o uso de banheiros conforme identidade de gênero
No Estado, entre 2019 e meados de 2022 foram feitos 315 pedidos de retificação de nome e gênero pela Defensoria Pública do Espírito Santo, em cartório.
“As pessoas têm procurado muito a Defensoria, algumas para obter informações. Outras quando não têm condições de pagar pelas certidões e o requerimento de retificação”, explica o defensor público Vinicius Lamego.
A transexual Deborah Sabará, de 42 anos, conta que trocou o nome, em cartório, por meio da Defensoria Pública, e que seu novo registro chegou no final de 2022.
Segundo Eliana Lorenzato Marconi, diretora da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-SP), nos cartórios não há previsão de gratuidade para os procedimentos, com previsão de custos totais de R$ 170, mais o Imposto sobre Serviços (ISS) de cada município.
De acordo com Fabiana Aurich, titular do Cartório de Registro Civil de Campo Grande, em Cariacica, o custo da declaração fica em torno de R$ 200.
Eliana Lorenzato Marconi observa que a nova certidão é sigilosa. “Essa certidão é sigilosa. Não vai informar o nome e o gênero anterior. Porém, em cartório, pode alterar uma única vez. Se mudar de ideia, só judicialmente”, afirma.
Para mudança de nome e gênero no cartório não é necessário constituir advogado, apresentar laudo psicológico, psiquiátrico, nem ter feito cirurgia de redesignação sexual, observa Eliana Lorenzato Marconi. “Faz a declaração perante o oficial do cartório”, afirma.
Eliana lembra que a solicitação pode ser feita em qualquer cartório, não necessariamente naquele em que a pessoa foi registrada quando nasceu, devido à informatização dos sistemas.
“Se a pessoa possuir alguma restrição de crédito, isso não impede que a alteração no nome seja feita. Só se o tabelião suspeitar de má-fé. Mas, se não houver, a alteração será feita e informada se houver ação de protesto e processo judicial, por exemplo”, afirma Eliana Lorenzato Marconi.
Cartilhas para orientar sobre o passo a passo
A Associação Gold (Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade) vai fazer uma cartilha voltada para pessoas LGBTQIA+ com orientações sobre mudança de nome e de gênero em cartório.
A Arpen-Brasil também editou uma Cartilha Nacional sobre Mudança de Nome e Gênero em Cartório, segundo a diretora Eliana Lorenzato Marconi.
“Estamos esperando finalizar o contrato com o patrocinador do projeto”, afirma a coordenadora de Ações e Projetos da Gold, Deborah Sabará. “A pessoa vai ao cartório, obtém a informação, mas não entende. Estamos falando em pessoas em vulnerabilidade, que não têm dinheiro para ir ao cartório”.
Segundo Deborah, no interior do Estado a situação é ainda mais difícil e há caso de um cartório que tem exigido laudo médico para fazer a retificação. “Neste caso, estamos tentando sensibilizar e não judicializar”, afirma.
Judicialização para gênero neutro
Cartórios e a Defensoria Pública do Espírito Santo têm entendimentos divergentes quando o assunto é o gênero em que a pessoa pode ser registrada, de acordo com a legislação.
Enquanto a Defensoria Pública entende que as pessoas que não se identificam nem com o gênero feminino, nem com o masculino, deveriam ter o direito de se registrar com o gênero neutro, os cartórios consideram que a legislação versa justamente o contrário.
“O ato normativo do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fala de forma genérica de retificação de gênero, não restringe a masculino/feminino e não proíbe o gênero neutro. O fato de o cartório negar é mais uma visão burocrática e conservadora do procedimento mesmo”, afirma o defensor público da Defensoria Pública do Espírito Santo Vinicius Lamego.
O defensor contou que foi procurado por uma pessoa que não conseguiu se registrar com o gênero neutro em cartório, na última semana, e iria acionar a Justiça para resolver a situação.
De acordo com Eliana Lorenzato Marconi, diretora da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, seccional São Paulo (Arpen-SP), “os registros públicos só podem fazer o que está previsto em lei”.
“Ao contrário da advocacia que entende que se a lei não fala nada é possível fazer, nos registros públicos o que funciona é o que está na lei, que é o que eles chamam de legalidade estrita. Se a lei permite é feito, se a lei não fala nada não pode ser feito. Esta é a regra a que eles devem se submeter”, afirma a diretora da Arpen-Sp.
SAIBA MAIS
Nome e gênero
- No Estado, entre 2019 e meados de 2022 foram feitos 315 pedidos de retificação de nome e gênero pela Defensoria Pública do Espírito Santo, em cartório, sem a necessidade de procedimento judicial e nem cirurgia de redesignação sexual.
- Segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), o número chegou a 50 no Estado nos últimos 5 anos (de 2018 a 2022).
- Para a coordenadora de Ações e Projetos da Associação Gold, Deborah Sabará, a divergência nos números pode ser explicada devido ao local de origem do pedido de retificação, e o local de nascimento, que pode ser outro estado.
- Somente os menores de 18 anos precisam de autorização judicial e dos pais para fazer a retificação.
O tempo médio é de uma semana. É algo bem simples, sem constrangimento e sem burocracia”.
Fabiana Aurich, titular do Cartório de Registro Civil de Campo Grande, em Cariacica.
Como fazer?
- A pessoa pode procurar qualquer cartório.
- É necessário a apresentação de certidão de nascimento;
- Documentos pessoais: RG, CPF e título de eleitor.
- Comprovante de endereço.
- Certidões dos distribuidores cíveis, criminais estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos.
- Certidões de execução criminal estadual e federal, dos Tabelionatos de Protesto e da Justiça do Trabalho.
- Na sequência, o oficial de registro deve realizar uma entrevista com a pessoa.
- Eventuais apontamentos nas certidões não impedem a realização do ato, cabendo ao cartório comunicar o órgão competente sobre a mudança de nome e sexo, assim como aos demais órgãos de identificação sobre a alteração realizada no registro de nascimento.
- A emissão dos demais documentos deve ser solicitada pela pessoa direto ao órgão responsável por sua emissão.
- Não há necessidade de apresentação de laudos médicos e nem é preciso avaliação de médico ou psicólogo.
Fonte: Defensoria, Arpen e entrevistados.
Comentários