“Ficava vagando igual um zumbi”, diz ex-militar sobre dependência química
Luan Constantino decidiu buscar ajuda de forma voluntária para lidar com vício
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Determinado a reescrever a sua história, o ex-militar do Exército Luan Constantino, de 36 anos, decidiu buscar ajuda de forma voluntária.
Depois de mais de 20 tentativas de internações, ele chegou ao Instituto Horta de Vida, em Cariacica, onde está há quase um ano.
Ao lado do gestor do Instituto, Ledir Porto, Luan conversou com a reportagem ontem, falou das suas escolhas no passado e dos seus planos para o futuro.
Apaixonado pela leitura, ele disse com orgulho que, a partir do ano que vem, fará faculdade de Assistência Social, na modalidade EAD (ensino a distância).
Assim como ele, no Instituto há mais de 40 acolhidos. A porta de entrada, como Ledir explica, é pela Rede Abraço, pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) – programa do governo federal – ou diretamente na entidade. As famílias podem obter informações pelo telefone (27) 99294-1336.
A Tribuna – Quando você foi apresentado às drogas?
Luan Constantino – Eu conheci as drogas precocemente. Dos 10 anos para 12 anos, eu já ingeria bebida alcoólica e fumava cigarro. Dos 12 para 13 anos, eu conheci algumas pessoas que faziam o uso de maconha e fiquei curioso. Eu queria entrar naquela vibe de ser descolado. Comecei a fumar e, na minha cabeça, percebi que aquilo me trouxe um certo prestígio. A inversão de valores me fazia pensar dessa forma.
Aí eu mergulhei nas drogas. Eu cheguei a usar esporadicamente a cocaína em festas, mas praticamente migrei direto para o crack, aos 17 anos, um ano antes de entrar para o Exército, onde servi como soldado por um período curto.
- Se viu no fundo do poço?
Me vi. Os anos foram passando e eu fui me internando. Foram mais de 20 tentativas voluntárias, cheguei a fazer tratamentos, mas não concluía, fugia após alguns dias. Eu, junto com a família, já cheguei a pedir internação compulsória à Justiça. Só que, nesse período, eu fui para uma voluntária.
- Você morou nas ruas?
Em um período, eu vivi isso, vivia na rua, mas eu não era uma pessoa em situação de rua. Eu passava mais tempo na rua do que em casa. Ficava uma semana, 15 dias, às vezes eu sumia, ficava morando mesmo com as pessoas na rua, fumando até os recursos terminarem e aí acabava voltando para casa, tomava um banho.
Cheguei a pegar as coisas de dentro de casa, como TV, ventilador, para manter o meu vício. Mesmo com toda a decepção, a minha mãe nunca desistiu de mim.
- Quantas pedras já fumou?
Muitas. Dezenas em um dia. Cheguei a ficar 16 dias acordado. Ficava migrando de lugar, ficava vagando igual um zumbi.
- O que sentia ao vagar pelas ruas?
Estava no surto. A sensação era que todo mundo estava me perseguindo, as pessoas estavam conspirando contra mim e eu ficava fugindo o tempo todo. Você perde o controle de tudo, não tem mais noção de tempo, de espaço.
- Como chegou ao instituto?
Eu estava no momento de desespero e conheci o pastor Fábio Xavier. Eu liguei na véspera de Natal e perguntei se ele conseguia uma vaga de internação.
Ele disse que conseguia depois de virar o ano e conseguiu uma vaga, pelo governo federal, neste ano. Aqui, estou há quase 11 meses. Aqui, a minha vida tem um outro sentido. Foi um divisor de águas. Os testemunhos que ouvi me deram esperança de que eu também iria vencer e venci.
Consumo de novas drogas deve aumentar dependência
O consumo de novas drogas, que tem chegado ao mercado, está preocupando especialistas. Eles alertam para os riscos de aumento da dependência química e ainda para outros problemas de saúde e sociais agravados por meio desse cenário.
O médico psiquiatra Rodrigo Eustáquio afirmou que não há dúvidas sobre a preocupação com drogas novas no mercado. “Temos visto drogas com um potencial de dependência muito maior e em um curto prazo”.
Ele citou como exemplo os casos nos Estados Unidos com o uso do fentanil, que tem sido utilizado junto com outras drogas, com efeitos devastadores. “O temor é que isso possa se popularizar também pelo Brasil”.
Para ele, o problema dessas novas drogas é que faz com que a pessoa passe do experimento para a dependência rapidamente.
Para reverter esse quadro, o psiquiatra afirma que não há saída fácil, mas é preciso investir em educação para prevenção e conscientização dos mais jovens, além de ampliar o acesso a tratamento.
“Hoje ainda há dificuldade para ter acesso a tratamentos. Além disso, precisamos reinserir pessoas que passam por tratamento na sociedade, evitando que sejam marginalizados”.
O médico psiquiatra Valber Dias Pinto reforçou que a preocupação com novas drogas também se estende a drogas ainda mais populares, como o cigarro eletrônico, por exemplo.
“Não era algo para ser tão complicado, mas já gera uma preocupação. Além disso, temos o uso de medicação para dormir, como as chamadas drogas Z (exemplo: o zolpidem), que causam dependência, e as pessoas têm acesso fácil”.
Ele ressaltou que a sociedade vive em um mundo com mais sofrimento mental e isso pode ser um fator para favorecer a dependência de substâncias, de forma geral.
Onde buscar ajuda
Espírito Santo
Rede abraço
O Programa visa o bem estar e o cuidado de pessoas com problemas decorrentes do uso de drogas aos seus familiares e à comunidade.
O Centro de Acolhimento e Atenção Integral sobre Drogas (Caad) é a porta de entrada para o atendimento, com equipe multidisciplinar. As unidades funcionam de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h. Telefone: 0800 028 1028. Endereços:
CAAD Vitória: fica na rua 13 de maio, nº 47, Centro.
CAAD Cachoeiro: rua Doutor Raulino de Oliveira, 56, Centro.
CAAD Linhares: avenida Hans Schmoger, 333, bairro Nossa Senhora da Conceição.
Vitória
Caps
Tem um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Caps AD), que funciona 24 horas.
A porta de entrada preferencial para o Caps AD é a partir da unidade de saúde, mas as pessoas podem buscar o serviço diretamente também.
O Caps AD oferta acompanhamentos que podem envolver atendimentos individuais, grupos terapêuticos, oficinas terapêuticas, entre outros.
O tratamento é voluntário e o serviço conta com oito leitos para acolhimento noturno, podendo realizar internação por até 15 dias.
O Caps AD fica na rua Álvaro Sarlo, 181, na Ilha de Santa Maria.
Consultório na rua
Conta com enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, motoristas e auxiliares de Enfermagem.
A equipe é itinerante e realiza o atendimento nos próprios locais de permanência das pessoas.
Vila Velha
Caps
Maiores de 18 anos que fazem uso abusivo e/ou dependente de drogas e queiram fazer tratamento podem ser atendidas no Caps AD. A pessoa pode ser encaminhada de uma unidade de saúde ou buscar tratamento diretamente no local.
Serra
Unidades e Caps
A população pode encontrar apoio em qualquer uma das 40 unidades de saúde, que conta com equipes da Saúde Mental em suas seis Unidades Regionais de Saúde (Boa Vista, Jacaraípe, Novo Horizonte, Feu Rosa, Serra Dourada e Serra Sede).
O município conta ainda com Caps AD, em Parque Residencial Laranjeiras, para maiores de 18 anos.
Além dos encaminhamentos oriundos das unidades de saúde, o serviço também funcionada com demanda livre. Mais informações no telefone (27) 98166-1322. Todos que buscam o serviço são atendidos e não há cadastro de reserva.
Cariacica
Promad
A Secretaria de Saúde conta com o Programa Municipal contra o Álcool e Outras Drogas (Promad), oferecido na unidade saúde de Jardim América. Para receber atendimento, o morador deve ir ao local, onde passará por acolhimento. A Unidade fica na rua Nicarágua, s/n. Telefone: 3354-7027 / 7050 / 7051.
Fonte: Prefeituras citadas e governo do Espírito Santo.
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